Páginas

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Bono e o U2 360º, um megaespetáculo político

http://terramagazine.terra.com.br/

Ronaldo Aguiar/Especial para Terra
Show do U2 no Estádio do Morumbi, em São Paulo
Show do U2 no Estádio do Morumbi, em São Paulo
Bob Fernandes
Sempre que o U2 e Bono Vox estão em algum lugar, por um espetáculo, um novo disco ou uma causa, se lê, se ouve algo sobre o engajamento da banda, de Bono. Sempre alguém há de levantar suspeitas sobre as intenções de Bono, da banda, do "oportunismo", em resumo.
Penso nisso enquanto, no Morumbi lotado por 90 mil pessoas, vai chegando ao fim um megaespetáculo. Viagem cênica impactante, suntuosa, impecável, a do U2 360º.
Do som, da música que cria a banda irlandesa, há quem diga maravilhas e há quem só encontre bobagens, como é natural, mas o megaespetáculo permite outras formas de se ver e ler.
De Bono e da banda o mesmo, "oportunismo", já se dizia quando ele e Pavarotti recontaram e cantaram Miss Sarajevo, lá pelos anos 90, tempos dos massacres nos Bálcãs:
- (...) Existe um tempo para correr para os abrigos, um tempo para beijos e confissões (...) Existe um tempo para ser uma bela rainha. Lá vem ela, a mais bela recebendo a coroa (...).
Então diziam, e continuaram dizendo quando Bono estava - está - na África com flagelados da Aids, na Birmânia, pela liberdade da ativista dos Direitos Humanos Suu Kyi, ou com Nelson Mandela.
As imagens se sucedem ciclopicamente no telão do 360º e o eco dos sempre renovados ataques às posições de Bono impõe uma reflexão.
Cada vez mais encontra ressonância no mundo dos que não têm outra causa além do hedonismo a percepção negativa em relação a quem se engaja politicamente. Longe de lembrar velhos embates entre engajamento ou não nas artes, o que U2 360º propositalmente instiga, cobra do espectador, é o tomar - ou não - posições no cotidiano, no viver.
Num certo Brasil, em ilhas desse Brasil afora, por exemplo, pega bem, cada vez mais, o engajamento no não-engajamento político.
Atitude esta, a do engajamento no não-engajamento político, emoldurada por sorrisos sardônicos, um jeitinho blasé e sobrolhos e olhares de desprezo ou pena para aquela ou aquele que se "engaja".
Detalhe importante: rejeição àquele ou àquela que se engaje no que não foi convencionado ser passível de engajamento.
Com ingresso, na média, a R$ 300, podendo chegar a R$ 820 na RED Zone (dinheiro destinado ao Fundo Global de combate à Aids na África), muitos desse mundo, o de caras e caretas, estavam no Morumbi. Em delírio, aplaudiram Bono e seus discursos no sábado 9 e no domingo 10 de abril.
Aplaudiram até, imaginem, quando Bono disse que o mundo, outro mundo, acompanha e torce pela "ascensão do Brasil" e quando falou sobre sua visita a Dilma Roussef.
Condescendente, o Bono, como também o foi Barack Obama? Pode ser, mas não é o que aqui está na tela.
No megaespetáculo cênico, 888 painéis de LED em forma hexagonal criam um telão pantográfico de 3.800m² quando descerrados e conectados. Do meio para o final do show, o telão em forma cônica desce até o palco e ora engole, ora expele, Bono, The Edge, Adam Clayton e o baterista Larry Mullen Jr.
Quem vende o U2 360º diz que Bono, ocupado em "democratizar" o espetáculo, um dia em Honolulu mostrou com quatro garfos sobre um prato a "Aranha" que imaginava como palco.
Aranha posta não numa ponta dos estádios, como são os palcos italianos, mas erguida quase no centro do gramado, de forma a permitir a visão em 360 graus. E assim se fez.
E assim é no show, no palco de 400 toneladas e com "leitura" desde qualquer parte do estádio. A leitura mesma, do que diz Bono, se dá com a tradução nos telões. Desta forma, além dos inevitáveis "Alou San Paulo" e "eu ama a Brazil", todo o público pode saber tudo que diz o líder do U2.
Mas não apenas. Aquela coisa tão significativa, e tão ridícula, denominada "espaço VIP", com a banda e Bono tem outro sentido: ao redor do palco, colados, ficam os 2.800 fãs que primeiro chegarem ao estádio. E, em outro anel em volta destes fãs, os que pagarem mais caro e contribuírem para a humanitária Red Zone.
É chavão dizê-lo, mas a Arte realmente toca as pessoas. Toca no que quer que elas tenham dentro de si, no que quer que sejam. A meu lado e logo acima, um grupo de mineiros e cariocas. Pelo que diziam entre si, simpatizantes de Jair Bolsonaro, o neo-old-fascista.
Tocados pelo mega, pelo palco-aranha de 400 toneladas e mais alto que o estádio do Morumbi, engolidos pela profusão de luzes, tecnologia e som que se tornam arte, os adeptos do bolsonarismo aplaudiram, freneticamente, o discurso do líder anti-apartheid Desmond Tutu, o negro bispo sul-africano.
Tocados, engolidos pelo megaespetáculo e seus efeitos, sem nem mesmo saber do que e de quem se tratava, os fãs de Bolsonaro saudaram o discurso de Bono sobre a luta de Aung San Suu Kyi, a ativista birmanesa que ficou 20 anos em prisão domiciliar por defender a democracia.
Todas as luzes apagadas. Nos telões, os nomes das vítimas da chacina em Realengo. A pedido de Bono, dezenas de milhares de celulares, de telas acesas. O adeus da multidão com suas velas eletrônicas.
Um adeus num mundo onde tudo se faz presente a um só tempo e está ali, nos telões do megamanifesto do U2 360º: Birmânia, Líbia, Palestina, África, Sarajevo... e Realengo.


(foto: Ronaldo Aguiar/Especial para Terra)

Nenhum comentário:

Postar um comentário