O cantor Lobão, principal atração da primeira edição do CaldasFest, em Barbalha: performance elétrica e metralhadora giratória de críticas ao mercado musical brasileiro FELIPE ABUD |
Do alto dos seus 54 anos, Lobão está mais rock´n´roll do que nunca. Não apenas por ter voltado ao formato elétrico, após excursionar com a turnê do "Acústico MTV", mas pelo vigor que imprime ao novo show, "Lobão Elétrico". Após passar por cidades como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, João Pessoa, Recife, São Luís, Teresina e cidades do interior paulista, Lobão trouxe o trabalho ao Ceará, na última quinta-feira, na abertura do I CaldasFest, no Balneário Termas do Caldas, em Barbalha.
Com formação de duas guitarras, baixo e bateria, Lobão tocou músicas de discos mais recentes e sucessos da carreira - a exemplo de "Blá Blá Blá", "Me Chama", "Vida Louca Vida", "Decadence avec Elegance" e "Essa Noite Não" - que fizeram o público pular e esquecer um pouco o frio alucinante da noite serrana.
A banda, formada por Caruso (guitarra), Duda Lima (baixo) e armando Jr. (Bateria), ofereceu a pegada rock ideal para acompanhar o velho lobo. O entrosamento entre o quatro era visível, assim como a satisfação do frontman, que tocou por umas duas horas. Logo na primeira canção, "Mal de Amor", dá pra se surpreender com seu vozeirão e as guitarras pesadas. Seguiram-se "O Jogo não Valeu", "Bambino" "A queda", "A vida é doce" e outras composições - até uma versão mais suja para "Help", dos Beatles. Vale destacar a emoção de "Das tripas coração", homenagem aos amigos e parceiros que já se foram, Cazuza, Júlio Barroso e Ezequiel Neves. Um show marcante, que deve causar ansiedade a qualquer roqueiro que se preze de Fortaleza. Falta passar por lá.
Trajetória
Ele mesmo veste a carapuça, rindo enquanto não para de falar: "tem gente que me chama de metralhadora giratória". Função absolutamente necessária e exercida com maestria desde o início de sua carreira. Nos mais de 30 anos dedicados à música, o cantor e compositor Lobão coleciona desafetos, insultos, fãs e um papel tão fundamental quanto inquestionável na formação da cena roqueira do Brasil. Sobram farpas para a Bossa Nova, para desafetos como Caetano Veloso e Herbert Viana, gravadoras, a imprensa, políticos e outros alvos. Na mesma proporção, sobeja-se talento, coerência de discurso e a busca constante pela renovação sonora.
Ao todo, são 14 discos lançados. Antes de estourar em carreiro solo, formou bandas com Lulu Santos e Ritchie, fundou a Blitz com Evandro Mesquita e realizou parcerias com Cazuza, Luiz Melodia e Marina Lima. De sua geração, é um dos poucos a produzir material novo e bom. De quatro anos para cá, os projetos seguem encarrilhados, a começar pelo "Acústico MTV", que gravou após se reconciliar com o mainstream. O projeto ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, em 2007.
A turnê do acústico se estendeu até 2009. No ano seguinte, outro passo significativo: o lançamento da autobiografia "50 anos a mil", escrita com o jornalista Claudio Tognolli (encarregado de sabatinar o artista, colher depoimentos e reunir documentos judiciais, etc).
A publicação, que já virou best seller, revela aspectos íntimos e delicados da vida do cantor, desde as brigas familiares, os conflitos com a mídia e com colegas de profissão, o consumo de drogas, a passagem pela cadeia e até tentativas de suicídio. Para Lobão, escancarar sua trajetória foi uma maneira de desconstruir estereótipos. "Sabia que, eventualmente, ia me salvar escrevendo. Fui caricaturado desde minha primeira inserção pública. Além disso, sei que escrevo bem, antes de me tornar roqueiro já era escritor. Não precisei de ´ghost writer´", afirma.
No começo de 2011, outra novidade aguardada: a caixa "81/91", uma retrospectiva em três CDs da trajetória de Lobão, com 43 daquelas que ele próprio considera suas melhores canções. O pacote inclui ainda o inédito DVD do "Acústico" e duas faixas inéditas ("Das tripas Coração" e "Song for Sampa"). O projeto inicial, acordado com a Sony Music por ocasião do contrato para o acústico, era relançar os sete primeiros discos do cantor, que, no entanto, preferiu enxugar o material. Todo o processo foi supervisionado por ele, e as faixas remasterizadas por Roy Cicala, produtor e engenheiro de som americano que já trabalhou com Frank Sinatra, John Lennon e Madonna.
Show
A caixa deu origem ao show "Lobão Elétrico". A apresentação inclui músicas novas e hits de sua carreira rearranjados em versões mais "aguitarradas". Nesta semana, o Ceará entrou no roteiro da turnê, com a participação de Lobão no I CaldasFest. Um dia antes de subir ao palco, na quarta-feira, ele teve um bate-papo com os fãs sobre o "50 anos a mil".
Sobre tocar em municípios do Interior, fora do circuito das grades metrópoles, Lobão acredita não ser tão diferente. "Por conta da biografia, estou sendo convidado para muitas feiras de livros e eventos no País. É bacana e natural passar por cidades pequenas, é tudo Brasil, não tem diferença. Estamos atuando em tudo o que acontece no nosso território", explica.
O CaldasFest e a vinda de Lobão a Barbalha integram um crescimento considerável da agenda de eventos culturais realizados no Estado, porém fora da capital. "Isso está acontecendo no Brasil inteiro, desde o início dos anos 2000. É a cena independente florescendo".
Um dos artistas mais engajados no movimento de pressão contra as grandes gravadoras, na luta por condições mais justas de trabalho, Lobão foi o idealizador da lei que obriga a numeração de CDs e DVDs no País (aprovada em 2003). Antes, em 99, inovou ao romper com as majors, produzir e lançar sozinho o CD "A Vida é Doce", que alcançou a marca de 100 mil cópias vendidas. O disco vinha encartado em uma revista também elaborada por Lobão, e era comercializado em bancas de jornal, a um preço bem mais acessível do que o das lojas.
Apesar das (poucas) conquistas, a crítica do artista ao mercado midiático e fonográfico brasileiro permanece dura. "Hoje, o que se ouve é feito pelos empresários ou produtores. Sintoma disso são as mulheres bonitas que antes davam pra todos nós, popstars, e hoje dão para os empresários", brinca. "O que está sendo tocado hoje é demente, de uma debilidade mental mesmo. E assim o público vai exigindo cada vez mais uma coisa fácil de consumir".
O desabafo segue acompanhado de tristeza. "Os artistas que eram bons viraram frequentadores da Ilha de Caras, se prostituíram e não se dão mais ao respeito. Fico muito triste, porque temos gerações de músicos, compositores excepcionais. Mas você não sai na grande mídia a não ser que abdique de tudo em que acredita", critica.
Para Lobão, esse "filtro" gera uma censura pior do que a instituída pelo Regime Militar. "Na Ditadura você se indignava com uma figura explicitamente má, um vilão localizado, era mais fácil combater. Hoje só entra no showbizz quem é manipulável, tudo é fabricado".
Polêmico, eu?
Por essas e outras declarações, o cantor logo cedo ganhou a pecha de polêmico. "Mas diga que outra pessoa fez uma revista e lançou o trabalho de 30 outros artistas (referindo-se à revista Outracoisa, lançada em 2003, por meio da qual fez circular CDs encartados de bandas e artistas como Cachorro Grande e Arnaldo Baptista)? Sou tão contra os artistas assim? Será que sou polêmico? No Brasil te chamam de polêmico apenas por você dar sua opinião", alfineta.
"Junte-se a isso a ausência total de autocrítica do povo brasileiro, está todo mundo feliz com essa situação. Fico impressionado, será que sou tão maluco assim, o único a ver isso? Nesse sentido, sinto-me extremamente solitário", lamenta.
Entre mais críticas à sacralização de grandes nomes da música, como Caetano e Maria Bethânia, o gerenciamento de recursos públicos para a cultura e a institucionalização de práticas como o jabá, Lobão acredita que a esperança para o cenário cultural brasileiro é a produção independente, para a qual se torna urgente pensar outros caminhos.
"O showbizz gera muito dinheiro. É um setor em que se precisa de intermediários, empresários, produtores, porque em determinado momento fica difícil fazer tudo sozinho. O lance da banca de jornal, por exemplo, era viável em 1999, mas já em meados dos anos 2000 ficou inviável. O preço do CD virgem passou de 0,25 centavos para R$ 3. No Rio Grande do Sul, uma das praças importantes para nós, foi proibida a venda de CDs encartados", esclarece. "Então agora precisamos procurar outro tipo de estratégia, tentar convencer pelo menos alguém da indústria que ser honesto é legal, que uma música honesta, autoral, criativa pode vender tanto quanto outra".
MAIS INFORMAÇÕES:
Caldas Fest 2011 - Até amanhã, no Balneário Termas do Caldas e no Cine Teatro Neroly Filgueira (Rua Pedro I, S/N, Centro, Barbalha). Gratuito. Contato: (85) 3251.1105
ADRIANA MARTINSENVIADA A BARBALHA A repórter viajou a convite da organização do evento
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