Diretores de filmes como “Metal”, “Flight 666” e “Rush: Beyond The Lighted Stage”, Sam Dunn e Scot McFadyen trabalham numa série sobre a história do heavy metal para a TV e miram produções com AC/DC e Metallica para os cinemas. Íntegra da entrevista feita para a matéria publicada na Billboard Brasil número 10, de julho de 2010. Fotos: Reprodução internet.
Há pouco mais de seis anos, Sam Dunn era um antropólogo com um doutorado concluído e Scot McFadyen trabalhava na indústria da TV americana. Em comum, a paixão pela música pesada que os levaram a rodar o primeiro filme, “Metal”, lançado em 2005. O sucesso da empreitada resultou em “Global Metal” (2007), que investiga o heavy metal fora do eixo Estados Unidos/Inglaterra, e o contato com músicos entrevistados teve um resultado inesperado: logo eles se viram documentando bandas das quais são fãs desde criancinha, como Iron Maiden (“Flight 666”) e Rush.Ao descobrir um novo nicho no mercado, a dupla não parou de trabalhar. Hoje está produzindo uma série de 16 capítulos para a TV americana, explicando cada intrincado subgênero do metal, e negocia longas-metragens biográficos com AC/DC e Metallica. O próximo DVD do Iron Maiden também está na fila. Nessa entrevista, feita por telefone com Scot McFadyen, que estava em Londres numa das paradas para entrevistas com músicos, o assunto é a feitura do filme “Rush: Beyond The Lighted Stage”, à época inédito no Brasil – hoje já foi lançado até em DVD. Veja abaixo como é o trabalho cansativo da duplinha:
Rock em Geral: Como vocês decidiram fazer um filme sobre o Rush?
Scot McFadyen: Eu cresci em Toronto e quando tinha 16 anos meu irmão tinha posters e fotos do Rush colados na porta do quarto, no lado da cama. Eles sempre foram partes das nossas vidas, tenho essa banda por perto desde muito cedo, 1974, 1975. E também eu sempre achei que o Rush é o tipo de banda depreciada, com muitos fãs e seguidores ao redor do mundo que, assim como nós, deveriam estar interessados num documentário para ver nos cinemas.
REG: Vocês estão há tempos pensando em fazer esse filme, ou a coisa começou recentemente?
Scot: Quando estávamos fazendo o “Metal”, uma das primeiras pessoas com quem conversamos foi o Geddy (Lee, baixista). Conversando com ele, pensávamos sobre qual banda seria o tema do nosso próximo documentário. Tínhamos em mente Iron Maiden e Rush, achávamos que eles mereciam. As duas idéias vieram a cabeça mais ou menos ao mesmo tempo.
REG: Vocês tiveram que adiar o “Rush: Beyond The Lighted Stage” para finalizar antes o do “Flight 666”…
Scot: Mas não paramos com tudo, continuamos com o trabalho de pesquisa. O filme do Iron Maiden era mais seguir a banda na turnê, tudo acontecendo ao mesmo tempo, uma coisa de aproveitar a oportunidade que tínhamos que parar quase tudo para fazer.
REG: Os caras do Rush parecem ser muito reservados na questão da vida pessoal de cada um, como vocês fizeram para lidar com isso?
Scot: Eu acho que eles foram com a nossa cara, passamos muito tempo juntos deles. Conversamos muito com Geddy, na casa dele, sabíamos quer tínhamos um trabalho importante a fazer sobre algo que se desenvolveu em Toronto e atravessou várias gerações. Eles nos ajudaram em tudo, o que foi ótimo.
REG: Foi difícil trabalhar com o Neil Peart, que parece um sujeito bem recluso e praticamente não concede entrevistas?
Scot: É o que todo mundo sempre fala, e é assim que ele é. Mas por alguma razão ele abriu a porta para nós antes que para qualquer outra pessoa, foi muito simpático, muito aberto para nós. Ele é bem fechado, mas uma vez que ele conhece as pessoas, é ótimo. É o tipo de pessoa que demora um pouco para confiar nos outros.
REG: Demorou muito tempo para que isso acontecesse?
Scot: O Geddy foi o primeiro a concordar, dizer “sim, queremos fazer um filme com esses caras”. Então tivemos encontros com a banda em bastidores de show. Tivemos que convencê-los sobre tudo, decidir o que faríamos e o que não iríamos fazer. Neil perguntou qual seria o foco, o ângulo do filme, e dissemos que não sabíamos, que iríamos descobrir a partir das entrevistas. Eles gostaram da resposta e toparam.
REG: O filme cita os problemas familiares pelos quais o Peart passou? (A entrevista foi feita antes de o filme ser lançado no Brasil)
Scot: Nós tocamos no assunto, mesmo porque foi um momento em que a banda quase acabou. Ele pensou em nunca mais tocar com a banda, retratamos como ele superou essa fase, não o que exatamente aconteceu, mas o que aconteceu depois dessa fase negra.
REG: Sobre a pesquisa que vocês fizeram nos alfarrábios deles, o que você achou de interessante?
Scot: Essa foi uma das partes mais interessantes do trabalho, achamos fotos e coisas que ninguém nunca viu antes. Geddy nos permitiu acesso ao subsolo da casa dele, cheia de fotos dentro de caixas antigas. Achamos as primeiras cenas da banda tocando ao vivo pela primeira vez, todos numa sala, gravado em super 8, eles bem novos, um material incrível. Pelo que eu aprendi e o que eu fiquei sabendo da banda, em todo o processo, acho que eles são o tipo de banda que é realmente única em termos de abordagem. Eles mantém certa privacidade de cada um e podem ser parte da banda e criar coisas. Nunca tomam decisões pensando o que querem ouvir deles, eles só fazem música por fazer musica.
REG: Vocês filmaram a banda compondo, em estúdio?
Scot: Nós filmamos a banda em muitas cenas de bastidores, conversando com eles, mas a maior parte do tempo gravamos eles próprios contando a história de suas vidas e sobre como criaram um repertório incrível. Falamos com vários artistas inspirados pelo Rush, é impressionante a diversidade de pessoas que foi influenciada por eles, uma gama bem ampla de nomes.
REG: Há alguma história engraçada sobre as filmagens que não está no filme, mas que vale a pena ser contada?
Scot: Bem, nós passamos um bom tempo no deserto, com o Neil. Ele adora andar de moto, então decidimos filmar ele andando de moto com um side car, no deserto. Essa foi inclusive uma maneira de fazê-lo se abrir, porque ele parece uma criança quando está com sua moto. Eles são caras muito divertidos, filmamos eles jantando e espalhamos algumas câmeras em volta. Foi perto de onde o Neil mora. Eles sabiam que havia câmeras, mas elas estavam meio escondidas, de modo que esqueceram que elas estavam lá. Esse jantar que durou umas quatro horas. Todos ficaram um pouco de pileque e falaram uns cada um. Somos fãs e foi bom vê-los juntos de um jeito bem informal.
REG: O Alex Lifeson é que sempre parece ser o cara mais engraçado na banda…
Scot: Ele é muito divertido e participativo, Geddy um pouco mais reservado e o Neil é o mais difícil de se abrir.
REG: Você falou que entrevistou muita gente, fale sobre algumas dessas entrevistas:
Scot: Falamos com os familiares deles, o Kirk Hammett, do Metallica, Billy Corgan (Smashing Pumpkins), Jack Black (ator de “Escola de Rock”), Terry Brown e outros produtores que trabalharam com o Rush. Tem muitos detalhes, trabalhamos muitos durante esses anos fazendo essas entrevistas.
REG: Vocês conseguiram falar com o John Rutsey?
Scot: Não falamos com ele, não, mas temos fotos dele tocando com a banda e entrevistas que ele deu para rádios em 1974. Mal começamos a fazer as entrevistas para o filme e ele morreu.
REG: Quanto tempo vocês levaram para editar todo esse material?
Scot: Ah, foi bem difícil, uns dois anos, eu acho.
REG: Vocês venceram o prêmio de audiência do festival de Tribeca, em nova York. Como foi a estreia do filme lá?
Scot: Foi incrível. Já ganhamos um prêmio pelo filme do Iron Maiden no ano passado, mas este foi especial porque foi a escolha do público. O Rush tem muitos fãs, eles podem superar o público do “Shrek”. Foi bom ver todos os fãs juntos, num grande tributo vivo ao Rush.
REG: Como é a narrativa do filme dessa vez?
Scot: É basicamente a história sendo contada no filme, sem narração, só a banda falando dela própria. Usamos a premissa de mostrar por que essa banda é tão fenomenal, por que eles são tão grandes e por que algumas pessoas os amam e outras odeiam. Eles realmente polarizam as pessoas, mas que qualquer outra banda. Muita gente sustenta essa banda durante muitos anos, sem o apoio de rádios e outros esquemas de comunicação. É esse tipo de abordagem, além de como eles fogem do estereótipo do rock. São caras de vida simples, com famílias.
REG: E no DVD, teremos muitos extras?
Scot: O filme tem uma hora e 25 minutos, e no DVD teremos mais coisa, passando das três horas, somando o filme com os extras. Tem muita coisa. Tem aquele jantar que eu falei, imagens do primeiro shows que eles gravaram, é muito engraçado. Tem a primeira vez em que eles tocaram a música “Working Men”. Temos cenas antigas de eles tocando na Holanda, muitas coisas bem diferentes, são cenas muito boas.
REG: Fale sobre a série de TV “Metal Evolution”, que vocês estão produzindo agora:
Scot: O ponto de partida para essa série é aquela árvore genealógica mostrada no filme “Metal”. É uma série de TV em 16 capítulos de uma hora cada, e cada episódio é sobre uma daquelas ramificações do metal. Tem sobre thrash metal, power metal, metal das antigas. É muito interessante, com uma pegada diferente. É no formato de documentário, conversando com as pessoas. Estivemos no backstage com o Metallica, falamos com todos, desde o Deep Purple, The Who, todas essas bandas. É um trabalho duro, temos que viajar muito e nos adaptar a horários diferentes em países diferentes.
REG: Já começou a ser exibido?
Scot: Não, acho que só vai ao ar no ano que vem.
REG: Algum novo filme em mente?
Scot: Estamos pensando em algo com o AC/DC, achamos que a banda também merece um grande documentário. E também estamos falando em fazer algo com o Metallica. Nós gostamos do “Some Kind of Monster”, mas queríamos fazer algo diferente.
REG: Vocês já estão já negociando para fazer esses filmes ou só uma idéia?
Scot: Estamos só conversando, nada certo. Vamos fazer um DVD ao vivo para o Iron Maiden no ano que vem, tem muita coisa rolando.
REG: Muita coisa mudou na vida de vocês nos últimos anos, do ostracismo ao tapete vermelho. Como você avalia essa mudança toda na vida de vocês?
Scot: Virou uma coisa muito grande. Éramos só dois caras, agora temos uma empresa com 15 empregados trabalhando pra gente. Virou uma coisa grande e agora também fazemos nosso negócio bem melhor do que fazíamos antes. Estamos melhores como contadores de história. Fizemos um filme sem nunca ter feito um antes, agora temos um currículo, virou um grande trabalho, temos que nos concentrar no futuro porque tudo o que formos fazer tem que ser muito bem feito. Antes de fazermos o primeiro filme jamais iríamos imaginar tudo o que aconteceu.
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