por Maximiliano P.
Fonte: 
Blog rockrevista
http://whiplash.net
No mundo do rock não se fala em  outra coisa. No dia 10 de maio acontece o lançamento do esperadíssimo  DVD “AC/DC Live at River Plate”, gravado nos shows dos caras na  Argentina, em 2009. Me enche de felicidade dizer que estava lá e que  este foi o mais espetacular momento roqueiro que pude presenciar.
Ao  assistir um dos trailers que circulam na internet o arrepio correu minha  espinha inteira. Na hora me senti na obrigação de voltar a escrever  sobre esses escoceses/ australianos que simbolizam o que é o rock’n  roll.
“Hell’s Bells” é, na minha modesta opinião, a música mais  importante da carreira deles, e “Back in Black” o seu maior disco, por  várias circunstâncias. Talvez o desenho do cenário da época de seus  lançamentos ajude a entender suas importâncias...
Estamos em 1980, mais precisamente em 19 de fevereiro. Neste dia faleceu Bon Scott, então vocalista do AC/DC,  aos 33 anos. Causa da morte: ingestão excessiva de álcool e sufocamento  com o próprio vômito. A banda havia acabado a turnê do disco “Highway  to Hell” e vivia seu melhor momento.
Bon era um dos líderes da  banda, talvez o pilar mais sólido. Era o cara mais experiente na vida e  mesmo dentro do rock, o “tio” que trazia os discos para os meninos  ouvirem. Sua perda foi descrita como irreparável por Malcolm, Angus,  Phill e Cliff, que cogitaram até acabar com a banda. Só não o fizeram  por insistência dos amigos, em especial do pai de Scott, Sr. Chick, e  porque entendiam que Bon iria querer que eles continuassem.
Após  cogitar alguns nomes, a maioria conhecidos no cenário australiano, a  banda resolveu fazer uma audição com Brian Johnson, na época vocalista  da banda inglesa Geordie. Brian era um grande fã do AC/DC e sua “indicação” já havia sido feita aos garotos pelo próprio Bon Scott, que falara coisas legais dele alguns anos antes.
Ao  receber a ligação Brian ficou tão pasmo que acabou desligando o  telefone, achando ser um trote. Ele estava sem cantar havia cinco anos,  já que a música não garantia o sustento de sua família. Felizmente  Malcolm refez o contato e Johnson marcou seu teste. Cantou “Nutbush City  Limits”, de Ike e Tina Turner, e depois “Whole Lotta Rosie” e “Highway  to Hell”, duas das canções preferidas de Bon. O fato de Brian ter  executado as músicas do seu jeito, sem querer imitar Scott, foi decisivo  para um final feliz, anunciado rapidamente, no dia 08 de abril de 1980.
Brian  é um grande vocalista, de muito mais feeling do que técnica. Adora  whisky e fuma, mas compensa qualquer fragilidade vocal advinda dos  vícios cantando com muita paixão em qualquer oportunidade. Um de seus  grandes ídolos é o notável Eric Burdon, vocalista do Animals, em quem  Johnson se inspirou para ser um cantor de rock.
Menos de um mês depois Brian já se juntava à banda em um estúdio nas Bahamas para a conclusão de “Back in Black”.
E  foi nesse contexto de substituição do ídolo, do primeiro álbum após a  tragédia e da expectativa dos fãs e de toda a crítica sobre o novo  vocalista, que “Back in Black” foi finalizado, em apenas seis semanas.
Antes  do lançamento (25 de julho de 1980) a banda estava receosa com a reação  das pessoas sobre o trabalho e tudo o que envolvia o álbum. Imaginem o  impacto de um disco cuja abertura seria uma música chamada “Hell’s  Bells", feita em homenagem ao recém-falecido Bon, cujo último trabalho  se chamou “Highway to Hell”.
Na cabeça de muitos poderia soar como  “toquem os sinos do inferno para o cara que pegou a estrada pra casa do  demônio...” Completamente insano, certo?
Todavia, os caras  bancaram (Angus: “Nós poderíamos ter dito ‘Era isso.’, podíamos ter  parado, mas ainda sentíamos que tínhamos algo a terminar”), a gravadora  aplaudiu (declarou que o álbum era “magnífico”), a imprensa elogiou (o  exigente crítico David Fricke, da Rolling Stone, disse que esse álbum  era o primeiro a resgatar a essência do gênero desde o disco "Led  Zeppelin II", de 1969) e os fãs entraram em êxtase.
O disco preto do AC/DC  já superou a marca de 50 milhões de cópias ao redor do mundo. A  contagem oficial era de 48 milhões até o início de 2008, e sua média  anual de vendas desde o 2000 supera um milhão de unidades. Ainda durante  a década de 90 “Back in Black” passou à frente do mítico “Dark Side of  The Moon”, do Pink Floyd, na corrida pelo título de álbum roqueiro mais comercializado de todos os tempos.
“Back  in Black” é uma obra prima do rock’n roll, talvez um dos seus cinco  discos mais importantes, qualificados e influentes. Dele saíram hinos  instantâneos como “Hell’s Bells, Back in Black” e “You Shook Me All  Night Long”, e faixas preciosas como “Shoot to Thrill” e “Shake a Leg”,  para ficarmos apenas em metade de suas músicas.
O disco foi produzido por Robert John "Mutt" Lange, que já havia trabalhado com o AC/DC  no excepcional “Highway to Hell”, de 1979. Ele ficou com a banda por  mais um álbum (“For Those About to Rock”, de 1981), e depois foi rumando  gradativamente para o pop (até Celine Dion e os Backstreet Boys o cara  produziu...). Apesar desses pesares, o trabalho dele em “Back in Black”  foi impecável, assim como o resultado final.
Brian Johnson, ao  falar da qualidade do álbum, comentou: “Estava no avião para casa  pensando se o álbum era bom mesmo. Foi um choque quando recebi uma cópia  e eu coloquei no meu toca-discos. Eu não acreditava que era eu. Não  achei que podia fazer coisas daquele nível."
Dentro de um disco  com essa expectativa e desse nível, a tarefa de “Hell’s Bells” era  árdua. Abriria o álbum, teria que impactar... Malcom, então, teve a  idéia de iniciá-la com toques de sino, passando uma idéia completamente  fúnebre. Essa idéia funesta era realmente a intenção da banda, a fim de  homenagear Bon Scott.
Após aprovar o lance do sino a banda  pressupôs que o melhor resultado viria da captação do som em uma igreja.  Depois de muita pesquisa a escolha recaiu sobre um pesadíssimo modelo  “Denison” existente no Monumento Carillon, em Leicestershire/  Inglaterra. Apesar de todo o aparato tecnológico montado para a gravação  (24 microfones foram usados), o eco do local e o som dos pássaros  frustraram a idéia.
Então a banda partiu para o plano “b”. Mandou  fazer uma réplica de meia tonelada do “Denison” (que é usada nos shows  até hoje) e acabou gravando as badaladas dentro da própria fábrica. Quem  deu as marretadas para a captação do som foi o funcionário que produziu  a peça. A partir de então, tanto na gravação de estúdio quanto nos  shows, “Hell’s Bells” inicia com 13 lentos toques de sino, mesclando o  som da banda a partir da quarta badalada.
A base instrumental de  Hell’s Bells já havia sido montada por Angus e Malcolm durante a tour de  “Highway to Hell”, mas ainda não havia texto. Apesar dos créditos  fazerem remissão à co-autoria de Angus Young, Malcolm Young e Brian  Johnson, a letra é do vocalista. Rumores de que esta poderia ser de Bon  Scott foram oficialmente rechaçados pela banda em 2005.
Brian  Johnson nunca foi muito claro sobre sua inspiração para escrever a  totalidade da letra. Quase sempre se esquiva do assunto, apesar de  admitir que ela foi feita em um curtíssimo espaço de tempo.
Em  duas entrevistas, entretanto, Brian vazou alguns detalhes. Para o canal  VH1, revelou que “ao rezar por uma inspiração para escrever a letra,  vivenciei uma experiência sobrenatural com relação a Bon”, negando-se a  ser mais específico. Já para a “Q Magazine”, Johnson foi mais aberto:  "Eu não acredito em Deus, ou no Céu ou no Inferno, mas algo diferente  aconteceu. Não tínhamos TVs nos quartos. Só havia uma grande folha de  papel e eu precisava escrever algumas palavras. Eu tinha uma garrafa de  Whisky e fui, com goles generosos... Aí eu comecei a escrever e não  parei mais. E estava lá: "Hell’s Bells". Depois mantive a luz acesa  durante toda a noite, cara...” .
A verdade é que existem  pouquíssimas referências para investigação do significado real de  “Hell’s Bells”. A própria banda evita o assunto, preservando-se de  polêmicas a respeito. Eles apenas dizem tratar-se de uma letra comum de  rock’n roll.
Procurei interpretá-la dentro de minha percepção e  conhecimento sobre a banda, além de fazer uso das evidências que  encontrei em minhas pesquisas.
Na minha visão a letra tem duas partes, basicamente, que acabam interligadas dentro de um mesmo contexto.
Os  primeiros versos tratam de tempestades, trovões e raios (“Sou um trovão  motorizado, vertendo chuva. Estou chegando como um furacão. Meus  relâmpagos clareiam pelo céu”). Até aqui não há nada demais... Brian  admitiu que as frases referem-se às inúmeras tempestades que eles  enfrentaram nas Bahamas. De qualquer forma, a descrição dos fenômenos  naturais acabaram por auxiliar a banda no que eles realmente queriam:  dão uma idéia de poder e onipotência, perfeitamente entendíveis a partir  da seqüência da música.
A partir dos versos seguintes a letra  começa a falar em Satã, de sua força e de quão inútil seria resistir ao  seu chamado através dos toques dos sinos do inferno.
Mesmo com  essas explícitas citações, a canção só é maligna para os  fundamentalistas. Muita gente interpreta a letra literalmente e prega  haver “glorificação do mal” na música. Todavia, nada de plausível é  apresentado para sustentar essa tese. Chega a ser hilário o que li a  respeito…
Quem conhece a discografia do AC/DC e entende o humor e a linha mestra das letras dos caras sabe que o AC/DC,  em especial Bon Scott, sempre brincou com os temas satânicos. Antes e  depois de “Hell’s Bells” existiram outras músicas deles falando do diabo  ou do inferno: “Hell Ain’t a Bad Place to Be”, “Highway to Hell”,  “C.O.D. (Care Of the Devil)”, “Landslide” e “Hell or High Water”. Todas  abordam o andar de baixo e seu anfitrião dentro de um contexto  metafórico, provocativo ou debochado.
Angus, por exemplo, declarou  ao Los Angeles Times, no alto de seu bom humor: “Durante os anos 70  ficamos quatro anos em tour, sem folga. Um cara perguntou qual era a  melhor forma de descrevermos nossas tours. Eu respondi: ‘A Highway to  Hell’, que acabamos usando em nosso disco de 79... Não somos satanistas.  Posso usar até uma cueca preta de vez em quando, mas é só...”
A  letra de "Hell’s Bells" pretendeu, na verdade, contextualizar a morte de  Bon dentro de um cenário de inevitabilidade. A justificativa para a  tragédia que o envolveu, nesse contexto, seria uma intimação lá do  subsolo, um “convite” que não aceitaria resposta negativa (“Não faço  prisioneiros, não poupo vidas. Ninguém vai lutar. Eu tenho meu sino, vou  te levar para o inferno...”)
Para o AC/DC  pouco importava qual entidade tenha levado Bon. A banda acabou usando o  diabo dentro de uma situação que já era comum para eles. É óbvio que a  letra jamais iria fazer referência a Deus, tampouco a música poderia se  chamar “Heaven’s Bells”, e menos ainda iria fazer parte de um disco  chamado “Back in White”. Isso não seria o AC/DC, certo?
Você  já ouviu esse disco inteiro e com volume alto? Se não fez, faça agora.  Nunca sabemos quando os sinos (do céu ou do inferno, você decide) podem  tocar para nós...
Abaixo, grande performance de “Hell’s Bells”. A  gravação é em Castle Donington/Inglaterra, no dia 17 de agosto de 1991.  Trata-se de um dos maiores shows da história do rock, amplamente  recomendado a roqueiros virgens ou experientes.
Matéria original: Blog rockrevista