Philippe Seabra e André X agora são “Cidadãos Honorários” da cidade
O guitarrista/vocalista Philippe Seabra e o baixista André X, da Plebe Rude, foram condecorados em Brasília, no mês de abril. Ambos, que chegaram a ser presos na década de 80, por conta das letras de caráter político (no famoso episódio de Patos de Minas), ganharam o título de “Cidadãos Honorários de Brasília”, na Câmara Legislativa da cidade.
“(O título) foi dado numa homenagem aos 30 anos da banda e aos 25 anos do “Concreto Já Rachou” (que foi o primeiro disco de ouro do rock de Brasília). E isso vindo do governo que criticamos tanto”, comenta Phillipe Seabra, em entrevistas exclusiva ao site Rock em Geral. “O Deputado Professor Israel nos confidenciou que ficou com medo de a gente recusar, mas o reconhecimento pela obra e o posicionamento nos deixaram muito orgulhosos”, completou. Leia a entrevista completa, incluindo a íntegra do disrcurso lido na cerimônia.
Sem os dramas do passado
Com formação estável, Plebe Rude lança primeiro DVD, incluindo a íntegra do clássico “O Concreto Já Rachou”; membros fundadores são condecorados como “Cidadãos Honorários de Brasília”. Fotos: Nicolau El Moor/Divulgação (1, 2 e 3) e Camila Maxi/Reprodução internet (4).
O tempo passa, o tempo voa e a Plebe Rude - quem diria – foi condecorada numa das casas do poder de Brasília, alvo principal (até no logotipo) das letras ácidas que ajudaram a moldar o punk nacional na década de 80. A cidade, título de uma das músicas do lapidar álbum “O Concreto Já Rachou”, um ícone da época, é pano de fundo para a gravação do primeiro DVD do grupo, “Rachando Concreto – Ao Vivo em Brasília”. O vídeo consolida a nova formação, com Clemente (ele mesmo, líder de outro símbolo punk, o Inocentes), numa das guitarras, e o baterista Txotxa, além dos “honorários” Philippe Seabra, na outra guitarra, e André X, no baixo. Embora tenha andado um pouco sumida dos palcos – a banda fez poucos shows para divulgar o bom “R ao Contrário”, lançado em 2006, encartado na Revista Outracoisa – a Plebe parece sair de um congelamento voluntário em grande forma. O que não chega a ser surpresa, uma vez que o grupo sempre fez do palco sua morada principal; quem já viu o quarteto tocando ao vivo, não esquece jamais. Quem viu há 25 anos, então, quando “O Concreto Já Rachou” foi lançado, tem a oportunidade de rever o grupo tocando todas as sete músicas do EP, que pela pecha de coletivo de sucessos podemos chamar de primeiro álbum nesse jubileu de prata. Você pode não se dar conta, mas se viveu a década de 80, sabe cantar todas as sete músicas do disco, mesmo sem querer.Não é só isso. As belas imagens registradas em alta definição às margens do Lago Paranoá, as seis faixas de “R ao Contrário” e uma inédita incluídas no repertório do show apontam para uma Plebe crescida, madura e - mais do que isso - necessária ao rock nacional, numa época em que há carência de forma e conteúdo. E nessa entrevista exclusiva feita por e-mail com Philippe Seabra, as notícias são boas. O grupo pretende lançar um novo álbum no ano que vem, com material inédito da “boa e velha Plebe”; está previsto o resgate de imagens para o lançamento de um DVD histórico; e a volta ao mercado de “O Concreto Já Rachou” e do jovem “R ao Contrário”. De quebra, O líder do grupo avalia a atual geração do rock nacional, sempre mantendo uma atitude questionadora, e fala do trabalho como produtor em Brasília. Com vocês, “Sir Philippe”:
Rock em Geral: Como veio à tona a ideia de gravar esse DVD num lugar aberto, e às margens do Lago Paranoá? Fale mais sobre o evento “Sonho de Dom Bosco”, no qual o show foi gravado e da viabilização das condições técnicas para a gravação do DVD:
Philippe Seabra: Sempre quisemos fazer o show do DVD ao ar livre. Adoro shows assim e Brasília tem um fenômeno climático bastante típico do cerrado, uma estiagem que dura meses. Aí ficaria fácil, sem ter que se preocupar com chuva ou mau tempo atrapalhando a filmagem. Mas todo o levante da produção, que não foi pouco trabalho, estava começando a demorar. Logística, patrocínio, autorizações, ensaios, repertório, produção musical, direção, cenário, pirotecnia… e a janela da seca estava começando fechar. Mas conseguimos marcar a gravação antes que as chuvas viessem e deu tudo certo. Em termos do cenário, afinal seria o primeiro DVD da banda, não queríamos um telão led atrás. Em todo festival em que tocamos, mainstream ou independente, há um bendito telão atrás e, cá pra nós, fica tudo igual. E todo DVD lançado no mercado também. Queríamos algo simples, porém deslumbrante; então resolvemos usar apenas o por do sol de Brasília. Barato, eficiente, e ecologicamente correto. O palco seria completamente vazado, e sem a ameaça de chuva, a logística seria bem mais fácil. A ideia era também mostrar como Brasília influenciou a banda, com o Lago Paranoá e o Congresso Nacional, mas de costas, no fundo. Convenhamos: muita coisa que saiu daquele prédio serviu de inspiração pra gente, então nada mais adequado. O “Sonho de Dom Bosco” era um evento esportivo gratuito que riria rolar justamente na época prevista para a filmagem. Longe de a Plebe ter sido algo com o que o Dom Bosco tivesse sonhado, provavelmente fossemos mais para o lado do seu pior pesadelo. Mas juntamos forças e a produção local atendeu todas as nossas exigências. O design do palco foi meu, grande o suficiente para dar espaço para a movimentação da banda (ainda mais para o “tô com formiga nas calças” Clemente), mas íntimo o suficiente para manter a banda próxima do público. Tinha três passarelas a uma altura perfeita para que pudéssemos andar por entre “os plebeus”, que não atrapalharia a visão deles, mas que ficassem escondidas das câmeras, nove delas captando em Full HD. Vieram fãs de vários lugares do Brasil os presenteamos com o acesso ao “snake pit”, nos dois fossos entre as passarelas. Esses fãs aparecem bastante no DVD e tenho certeza que eles ficaram contentes.
REG: É possível estabelecer um paralelo entre “Rachando Concreto” com o disco “Enquanto a Trégua Não Vem”, que é o último registro ao vivo da Plebe, lançado em 2000? Como você avalia as diferenças desses dois períodos?
Philippe: Sempre nos perguntam isso, mas é muito difícil comparar as duas eras. Entre todas as bandas da década de 80 que conseguiram disco de ouro, que chegaram a um patamar estável e conhecido, a Plebe foi a única que realmente acabou. Nós vimos vários colegas passando por altos e baixos, boas e más marés, mas não acabaram. Só a Legião, claro, mas este já estava meio parado antes da morte do Renato, que estava mais focado nos discos solos. Em 2000, quando tentamos juntar a formação original (o disco foi gravado no final de 1999) para a excursão do “Enquanto a Trégua Não Vem”, muitos dos problemas do passado voltaram. Mas curiosamente não eram “diferenças musicais”, era coisa de personalidade mesmo. E um bocado de intransigência. Acho que o CD retrata a banda naquele momento no espaço/tempo, mas é bom, apesar de não gostar muito da qualidade de áudio. Também não foi gravado com muita atenção pela EMI… De novo a EMI na jogada. O Herbert (Vianna, que produziu o disco) fez o que pôde, mas o clima interno na banda não ajudou muito. Ele quase largou o projeto. Chegamos a fazer vários shows na formação original, mas resolvemos parar de novo lá para 2002, fazendo apresentações bem esporádicas, mas com outro baterista. Foi só em 2004, quando o Jander nos falou que não queria mais ficar na banda (coisa que já sabia há tempos), é que pintou a ideia de chamar o Clemente para um show no Circo Voador. A banda estava num hiato quando rolou o convite (com o The Queers abrindo) e resolvemos aceitar só para ver o que acontecia. Mandei as cifras e um CD com os arranjos para o Clemente, que morava em São Paulo, e nos encontramos na passagem de som. Não estou brincando, praticamente foi sem ensaio! Na hora do show, na primeira música, “Brasília”, não sabíamos exatamente o que esperar, mas o ânimo e pique do Clemente contagiou a todos e estamos até hoje, felizes da vida, com um clima de banda que lembra o dos primórdios da Plebe em Brasília. Estou cansado de drama, e o que não faltou a essa banda foi drama. Mas quem assistir ao DVD vai ver a banda do jeito que sempre deveria ter sido. Sinto que merecemos isso… Esse é o meu lema hoje em dia, “Chega de drama!”
REG: Embora a força da Plebe Rude esteja no palco, vocês não fizeram muitos shows depois do lançamento do disco mais recente, o “R ao Contrário”. A que se deve essa parada?
Philippe: Sem comentários.
REG: Mesmo assim, há várias músicas desse disco no repertório do DVD, que ficaram muito boas ao vivo. Seria um disco ainda a ser mais trabalhado ou já deu o que tinha que dar? Philippe: No DVD, talvez um pouco em virtude do disco não ter sido divulgado como deveria, resolvemos incluir seis faixas do “R”. Mas na verdade também fizemos essa questão para salientar ainda mais essa fase mais recente com o Clemente. Estamos negociando para relançar o “R ao Contrário” também. Gostamos muito do disco e representa muito bem essa fase nova da banda. A música “Tudo Que Poderia Ser”, no DVD, poderia ter sido do “R ao Contrário” sem destoar.
REG: Essa música é única inédita no DVD. É do tempo do “R ao Contrário” ou mais recente?
Philippe: Ela é Plebe zerada, de 2009, e deve apontar o caminho da nova leva de músicas, já com o Clemente na banda, que temos na manga. Tínhamos várias canções para escolher para ser a “inédita” do DVD, mas “Tudo Que Poderia Ser” pareceu o mais adequado. Não foi escolhida por causa do refrão, ou pelo potencial radiofônico. Nada disso. Não pensamos desse jeito, nem a acho “comercial”, muito ao contrário. Mas representa essa fase da banda. Lembra que o Clem - do qual chamo o “Clem de la Clem”- entrou quando o “R ao Contrário” estava praticamente todo pronto, mas ainda deu para ele imprimir sua cara. Ele até sola no disco. Mas com essa música, estamos relembrando as pessoas que ainda valem a pena ter princípios nesse país. As coisas são o que são, e nós somos desse jeito mesmo. Temos um certo romantismo em relação à coerência. Coerência nos atos, nos pensamentos, na história e, consequentemente, na música. Por mais que alguns “colegas” nossos falem para a gente facilitar uma música para rádio e que deveríamos nos reinventar, não os damos ouvidos - não vou poder citar nomes, mas acho que você não ficaria tão surpreso se citasse. Aliás, que bom que ainda existem bandas que não abaixam a cabeça para o mercado. Sim, a banda já sofreu muito com isso, pois não é fácil ser artista coerente no Brasil. Brigas com gravadora, boicote de radio, desprezo pelo catálogo… Brasília, nos primórdios do rock candango, nos forçou a ser assim e não vai ser mudança de governo, moeda, tendência nem formato que vai mudar isso. Sim, passamos por muito. Mas eu não troco por nada. Por isso que a banda tem o respeito das pessoas.
REG: É a primeira vez, desde a época em que o disco foi lançado, que vocês tocam todas as músicas do “O Concreto Já Rachou” num show, mas optaram por não executá-las na ordem em que elas aparecem no disco. Pensam em fazer dessa forma para um registro futuro?
Philippe: É claro no começo da carreira o disco era tocada na íntegra. Mas com o acúmulo do repertório, “Seu Jogo” aparecia raramente, e eventualmente a paramos de tocar. Mas com o aniversário de 25 anos do disco, e como muitos fãs pediam a música, por que não? Acho que eu posso cantá-la com mais propriedade, já que sou careta (a música trata de drogas). Estamos negociando o relançamento de “O Concreto Já Rachou” num pacote comemorativo, incluindo um DVD do making of, no estilo do “Classic Albums”. Em qualquer país sério esse disco estaria disponível. Foram decisões como essa que ajudaram a afundar de vez a indústria fonográfica. Se não tivesse vendido ou se não houvesse demanda, tudo bem, mas…
REG: Havia a expectativa de os extras do DVD trazerem imagens históricas como a do filme “Ascensão e Queda de Quatro Rudes Plebeus” ou mesmo gravações de músicas do início do grupo, como “Dança do Semáforo”. Isso chegou a ser cogitado ou vocês pensam em resgatar a memória da Plebe em outro DVD?
Philippe: Estamos juntando material antigo, jamais visto, para fazer um documentário. O Zé Eduardo, premiado cineasta dos longas “A Concepção” e “Se Nada Mais Der Certo”, foi bastante gentil em nos ceder muito material que foi gravado, e em película, na volta da banda, em 2000. Cenas de show e entrevistas. Isso, mais o nosso acervo, e depoimentos de pessoas chaves que participaram e/ou acompanharam de perto a evolução da banda, e depoimentos nossos, darão um baita DVD. Curiosamente o riff de “Dança do Semáforo” está sendo aproveitada numa música nova. Bem no estilo de rock inglês, posso adiantar… Não tem jeito, o pós punk inglês ainda esta na veia!
REG: A versão em inglês para “A Ida” (“The Wake”) aparece nos extras, no clipe da música. Por que ficou de fora da gravação do dia do show, já que aparecem imagens ao vivo no clipe?
Philippe: Aquilo foi feito para divulgar o filme “Federal”, de Erik de Castro. O Erik sabia do meu envolvimento passado com produção de trilha de cinema e entrou em contato querendo uma música para por no seu filme. Lhe mostrei várias coisas, mas quando ele ouviu essa versão de “The Wake” ele pirou e imediatamente a colocou no filme. Acabei virando o produtor musical do filme também. Para “The Wake”, usamos as imagens somente para o clipe. É um presente a mais para os Plebeus nos “extras”.
REG: Que narração é aquela que aparece em “Seu Jogo”?
Philippe: É a nossa homenagem ao Alborghetti, repórter policial e deputado paranaense, já falecido. Ele ficou famoso descendo o cassetete (literalmente) na mesa enquanto expressava sua raiva por causa das tragédias que relatava. Ele tinha perdido um filho para o vício, e como a música “Seu Jogo” foi feita em homenagem ao grande amigo e fundador do Aborto (Elétrico, banda pré-Legião Urbana), André Pretorius, que também faleceu vitima de overdose, achamos bastante apropriado.
REG: Todas as músicas que vocês gravaram no show entraram no DVD ou ficou alguma de fora? Há muitas, digamos, sobras?
Philippe: Não. Por causa do formato do show, seguindo o anoitecer do por do sol, cada música foi posicionada no repertório para corresponder ao clima do “cenário”. Tanto que um dos momentos mais lindos é quando o sol está quase desaparecido, em “Este Ano”. Foi tudo cronometrado e o diretor teve que parar a filmagem entre várias músicas para acompanhar o por do sol. Mas isso não esfriou o ânimo dos Plebeus no “snake pit”.
REG: Foi cogitada a participação, como convidados, dos ex-integrantes Jander Bilaphra e Gutje? A relação entre vocês é boa?
Philippe: Não queríamos nenhum convidado. É o nosso primeiro DVD e queríamos mostrar a banda sem artifícios, sem nada. Só a boa e velha Plebe. Com o Gutje não temos contato, pois esta morando no sul, mas o Jander, outro dia, num show que fizemos com Nando Reis (ele é da equipe técnica) foi ao camarim e estava bem tranquilo, batendo papo com todo mundo da equipe da Plebe. Uma vez, há uns quatro anos, no interior da Bahia, num outro festival com o Nando, até convidei-o para cantar uma música conosco, mas foi mais por gentileza, pois sabíamos que não toparia. Ele continua a tocar aquela viola elétrica, e de vez em quando até aparece em cima do palco tocando com o Nando.
REG: Além de “Medo”, do Cólera; “Luzes”, do Escola de Escândalos; e “Pátria Amada”, do Inocentes, há outras bandas da época em que vocês surgiram das quais que você pretende gravar outras músicas? Philippe: A inclusão de “Medo” e “Pátria Amada” foi a nossa homenagem ao punk paulista do Cólera e dos Inocentes. Apesar de a mensagem dos punks paulistas sempre ter sido mais direta, e às vezes mais didática do que o punk de Brasília, nunca perdeu a força. Mas pelo visto só a gente mesmo que também transita no “mainstream” lembra disso. A gente faz tudo ao contrário mesmo, sempre são as bandas menos conhecidas em que a gente se encosta… E uma banda que mereceu mais espaço, e bem que tentamos, mas as gravadoras não se interessaram, a Escola de Escândalo, também é lembrado no clássico “Luzes”. O resto do repertório é a velha e boa Plebe, mas com uns arranjos inusitados em algumas instâncias. O importante para a gente (apesar de não gostar da palavra “conceito”) era mostrar o “punch” da banda, mas também as melodias e harmônicas rebuscadas (palavra tua, Bragatto!), algumas vezes até suaves, como em “Remota Possibilidade” e “A Ida”, esta última com violão. Dentre as bandas de Brasília, era a Plebe que tinha o instrumental mais elaborado. Como músico, acho importante passar isso também, aliado - é claro - à mensagem sempre forte da banda. E uns “riffs” de tirar o fôlego. Sem riff não se tem nada…
REG: Vai ter turnê de lançamento? Aqui no Rio vocês estão devendo uma daquelas noitadas punk rock com Plebe Rude e Cólera no Circo Voador, hein?
Philippe: Sim, a agenda já está pintando no pleberude.com.br. Esses shows do Circo Voador realmente foram marcantes. Tem gente que fala disso até hoje… Engraçado que em muitos deles os Inocentes também participavam. Quem diria…
REG: Há outras músicas inéditas sendo encaixadas nos shows?
Philippe: No show novo, dessa turnê, por enquanto só a faixa “Tudo Que Poderia Ser” será inclusa. Talvez mais para o fim do ano uma ou outra nova entra, já preparando o caminho de um inédito para o ano que vem. Mas a temática provavelmente será como a Plebe sempre fez. Mas não de “protesto”. Acho que abordamos mais problemas sócio/políticos, mas fica difícil eu tentar definir. Agora, da “nova geração” que está aparecendo na mídia, acho injusto tentar traçar comparações com a nossa geração em termos de enredo, temática e “approach”. Sim, acho que música tem que ser um veículo para expressar frustrações e traçar soluções. O problema é que para usar música como arma contra o que está errado, você tem que primeiro perceber que tem algo de errado. O que vejo mesmo dos artistas novos é uma grande apatia. Apatia essa que entra nas ondas do rádio, gerando ainda mais apatia. E por aí vai “desinspirando” as pessoas. É claro que protesto por protesto também não surte muito efeito. Tem que ter propriedade, embasamento, tem que vir de um lugar sincero. Mas, cá pra nós, um pouco de questionamento não faria mal. Mas isso não é de hoje. No final da década de 90, parece que as músicas só falavam de cu e maconha (referências à Raimundos e Planet Hemp, respectivamente)… Acho que é uma coisa de geração. Em Brasília, quando éramos adolescentes, nossas opções de diversão eram limitadas à saída com pessoas da turma, cinema e leitura. Hoje em dia, na era digital, creio que a atenção das pessoas está sendo desviada. E não por um big brother manipulando o sistema. Mas pelo excesso de informações pelo qual somos bombardeados o dia inteiro. E agora então com twitter… Realmente acredito que o ser humano não foi feito para processar todo essa informação - ao mesmo tempo e agora. Adiciona a isso mais videogame, redes sociais, texting de celular, lan house, DVD caseiro, cinema 3D, videoclipe, fora o corre-corre da vida… O efeito colateral dessa sobrecarga dos cinco sentidos é a apatia. Triste, muito triste. E isso não vai melhorar.
REG: Recentemente você e o André X foram condecorados como “Cidadãos Honorários de Brasília”, na Câmara Legislativa da cidade. Como é receber esse título para uma banda punk, com músicas tão combativas como a Plebe Rude?
Philippe: Pois é, rapaz. Foi dado numa homenagem aos 30 anos da banda e aos 25 anos do “Concreto Já Rachou” (que foi o primeiro disco de ouro do rock de Brasília). E isso vindo do governo que criticamos tanto. O Deputado Professor Israel nos confidenciou que ficou com medo de a gente recusar, mas o reconhecimento pela obra e o posicionamento nos deixaram muito orgulhosos. Creio que agora posso ser chamado de “Sir Philippe” agora (risos).
REG: Quais os planos para lançar um novo álbum de inéditas, ou, ao menos, músicas avulsas na internet?
Philippe: Meio para o final de 2012, isso é se o mundo ainda existir até lá… Já estamos trabalhando duro. E o show será completamente novo, com mais uso de violão e pads eletrônicos de bateria. Só vendo mesmo, para saber do que estou falando. Mas continuará a ser a “boa e velha Plebe”.
REG: Você circula bem nesse cenário virtual pós internet?
Philippe: Enquanto todo mundo se pergunta como seria o novo cenário de música quando a poeira assentasse, ele chegou. Essa é a nova realidade, e é um desafio para artistas novos. Muitas bandas da “nova geração” passam por meu estúdio e vejo muitas promessas. Agora, existe uma grande diferença entre artistas da nova geração, pois depende da definição de “nova geração”. Se for a que tem acesso a mídia, as bandas novas que conseguiram penetrar na rádio, o negócio tá russo. O rock “pop”, como foi profetizado nos anos 80, realmente virou anuncio de refrigerante. Oco e pobre. Às vezes numa inarticulação que me dá pena. Mas se você estiver falando da cena independente, aí sim, é o verdadeiro futuro do rock brasileiro. Mas será difícil a maioria dessas bandas ganharem alguma notoriedade, o que me entristece muito, você não imagina. E os que conseguem entrar um pouco na onda do hype, não conseguem manter, pois por definição, hype é uma coisa passageira. É como se fosse um “Tetrus” humano, só que ao contrário. As bandas indicadas a prêmios de revelação na MTV todo ano vão se afastando aos poucos do palco até nem serem mais convidados. É brutal, e muitas bandas não conseguem recuperar disso, entrando em crise quando o telefone para de tocar. Mas o verdadeiro artista é aquele que não abaixa a cabeça diante da adversidade. Todos os meus heróis vivos e mortos, teatrólogos, escritores, diretores de cinema, bandas… todos fizeram o que tinham que fazer, e mudaram o mundo. Nunca abaixaram a cabeça.
REG: Como anda seu trabalho como produtor? Com quais bandas tem trabalhado?
Philippe: Sempre trabalhei com artistas novos, desde que montei meu estúdio particular em Brasília, há nove anos. Recentemente produzi 10zer04, Vitrine, Distintos Filhos, Live Wire e Beto Só. Com a exceção do 10zer04, todos estão lançando disco esse ano. Mas tirei os próximos dois meses “off” pra mim, para poder me concentrar no lançamento do DVD. Agora vou me concentrar na Plebe. O pleberude.com.br esta voltando ao ar e estamos no twitter no /plebeoficial. É isso ai…
Discurso do Deputado Professor Israel na cerimônia em que Philippe Seabra e André X foram condecorados como “Cidadãos Honorários de Brasília”, na Câmara Legislativa, dia 19/4/2011:
“Estamos aqui hoje para homenagear a Plebe Rude pelos seus 30 anos e por seu disco de estreia “O Concreto Já Rachou”, que completa 25 anos. Para isso, recebemos aqui, esta noite, os músicos Philippe Seabra e Andre X, membros fundadores da banda Plebe Rude. A obra deflagrada por grupos como a Plebe, surgiu da necessidade de protestar contra um regime militar que podava a criatividade e a liberdade de seus jovens, e contra o sistema de exclusão social em vigor no País.
O rock do Brasil nos anos 80 tomava as rádios, representado por artistas como a Blitz, que divulgavam a música com uma estética lúdica. A cidade de Brasília foi a responsável por, digamos assim, meter o pé na porta. As composições de grupos como a Legião Urbana e a Plebe Rude, nossa homenageada, contestava através de suas letras, todo um sistema que tinha a função de tolher o senso crítico.
Em 1985, com o fim do Regime Militar, a Plebe Rude lançou seu primeiro álbum, o EP “O Concreto Já Rachou”, aclamado pelo público e pela crítica. Charles Gavin, apresentador e ex-baterista do Titãs, disse que o “O Concreto Já Rachou” está entre os 300 melhores discos da Música Popular Brasileira de todos os tempos.
Ao completar 25 anos, “O Concreto Já Rachou” simboliza a luta do jovem naquele momento de transição. Quem foi adolescente naquela década, sabe que os resquícios da ditadura militar ainda assombraram nossa sociedade por muitos anos.
O rock ao possuir essa pulsante veia politizada, contribuiu para moldar questionadores, que se tornaram hoje, líderes em vários segmentos.
As letras da Plebe Rude possuem uma qualidade única, mesmo escritas há 25 anos, continuam atuais, sinal de que falhamos na tarefa de transformar nossa sociedade. E se estas letras nos tocam, é sinal de que ainda temos esperança nesta transformação.
O grupo inclusive já se preocupava com problemas que ultrapassavam as barreiras das casas políticas. A Plebe tinha um discurso reto, defendendo bandeiras como a da distribuição de renda. Como podemos ver em um trecho da canção hino “Até Quando Esperar”.
‘Sei
Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração’
Creio que grupos como a Plebe Rude, ao tomar para si a responsabilidade de enfrentar o regime, e divulgar letras pensantes na década de 80, contribuíram para a criação de movimentos importantíssimos, como os cara pintadas, que em 1992 derrubaram o presidente Collor.
Brasília se orgulha de ser o berço de tantos artistas que despontaram no cenário nacional, como a Plebe Rude, nossa homenageada com propriedade. A cidade sem esquinas descobriu que através da arte, podemos moldar melhor uma sociedade.
E a Plebe Rude manteve sua atitude, mesmo pagando o alto preço por não se render à indústria fonográfica. Foi relegada, por não compactuar com as facilidades, como as criticadas na canção “Minha Renda”.
‘Você me comprou, pôs meu talento a venda
você me ensinou que o importante é a renda
contrato milionário, grana, fama e mulheres
a música não importa, o importante é a renda!
Ambição - grana, fama e você’.
Por fim, agradeço a atenção de todos, reitero que admiro a proposta e postura da Plebe Rude, e torço para que no futuro, possamos comemorar mais 30 anos de boa música. Obrigado!”
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