Mais experimentada, Tarja considera o novo trabalho bastante pessoal
Não é muito difícil encontrar
Tarja Turunen nessa época do ano. A cantora costuma circular com outros músicos de origem erudita por igrejas européias cantando canções de Natal. Nem parece aquela vocalista de banda de heavy metal que se notabilizou à frente do
Nightwish, e que, quis o destino, saiu em carreira solo “meio sem querer”. Isso no começo, porque, agora, segurança é o nome de Tarja Turunen, que chega ao segundo disco, o bom
“What Lies Beneath”, com uma sonoridade de banda, pra valer mesmo.
Isso porque ela conseguiu manter por perto os músicos que lhe acompanham mundo afora. E que músicos! Alex Scholpp (Farmer Boys, guitarra) Doug Wimbish (baixo, Living Colour) e Mike Terrana (Yngwie Malmsteen, bateria), além de convidados do naipe de
Joe Satriani, o batera Will Calhoun (também Living Colour), Phil Labonte (vocalista do All That Remains), entre muitas orquestras e coros, claro. Tarja continua apostando com firmeza na fusão de heavy metal com música erudita, mas começa a perceber como fazer isso com o fundamental: as boas composições que Tuomas Holopainen, do Nightwish, não lhe fornece mais.
Nessa entrevista exclusiva, feita por telefone, de manhã bem cedinho, Tarja mostra um desprendimento de quem não se sente tão grande quanto realmente é. Morre de vergonha ao falar de Alice Cooper – de quem gravou “Poison” -, diz não ter acreditado quando atendeu uma ligação do vocalista do
Scorpions, Klaus Meine, e conta como trouxe Joe Satriani para perto. Ao mesmo tempo, revela a segurança de um artista que se consolida no mercado, indo “direto ao ponto”, com a animação que lhe é peculiar. Ah, ela estava em Luxemburgo, onde, no dia seguinte, iria cantar canções de Natal. Confira:
Rock em Geral: Da última vez que conversamos você estava bastante animada com o início de sua carreira solo, era o primeiro álbum e tal. E agora, continua com aquela empolgação?
Tarja Turunen: Mas é claro! Estou bem empolgada, tem sida uma jornada e tanto… (suspiro) Já faz cinco anos que tudo começou, é bastante tempo. Muita experiência acumulada, dois discos muito bonitos e muitos e muitos shows, muitos compromissos, muita diversão… tem sido tudo muito bom. Tive a possibilidade de me envolver com grandes pessoas para trabalhar comigo. Tem sido tudo muito bom, tudo tem acontecido de um modo muito rápido para mim, o que me deixa muito, muito empolgada.
REG: Com tudo isso podemos dizer que você se sente imortal agora, como na música?
Tarja: Sim! A liberdade é realmente algo… Bem, imortal eu não sou! Mas a liberdade de fazer as coisas me dá essa sensação formidável.
Tarja: Esse segundo disco me ocupou por dois anos, eu estava sempre compondo, trabalhando no material. Independentemente de onde eu estivesse, eu sempre tinha um tempinho para trabalhar, sozinha ou com outros compositores. Tudo o que aparece em todas as músicas é um tipo de reflexo de mim mesma, da minha própria alma, é um disco muito pessoal para mim. Pela primeira vez eu pude abrir a minha própria caixa de Pandora, de certa forma, e busquei tudo que eu adoro na música. Tudo que eu tenho para dizer está no álbum, o que significa que é um disco muito importante.
REG: Esse disco parece mais um disco de banda, enquanto o “My Winter Storm” parecia uma trilha sonora…
Tarja: O ponto é que minha banda, todos os músicos que começaram a trabalhar comigo, estão comigo até hoje, e eles se esforçaram bastante nas músicas, tanto na composição como em termos de arranjo. É isso o que aparece, soa muito mais direto, mais claro, toda a visualização do trabalho dentro do disco. E eu queria o disco desse jeito. Há uma diversidade entre as músicas, não é simplesmente um disco de metal, porque é um disco de uma artista. E hoje me sinto livre para compor músicas da maneira que eu quiser e do jeito que eu me sentir melhor. É por isso que há nos discos tipos diferentes de música. Tendo um histórico dentro do metal e a música clássica, eu sempre vou ter as duas coisas juntas, e agora eu posso misturar com tudo o que eu quiser.
Tarja: É, digamos que sim, se você olhar como um todo…
REG: É um clichê dizer isso, mas você considera este disco melhor que o anterior?
Tarja: Quer saber? O
“My Winter Storm” foi o começo de tudo e todo começo na vida é difícil, mas eu realmente gosto desse disco. São os meus primeiros passinhos, eu sempre vou ter pelo
“My Winter Storm” um carinho especial. É claro que o
“What Lies Beneath” é muito mais energético, digamos, vai mais direto ao ponto, porque é o que eu estou vivendo nesse momento. Eu quero ir direto ao ponto! Porque me sinto mais confidente, como mulher também…
A cantora abriu sua própria 'caixa de Pandora'
REG: Não se deve perguntar isso para uma mulher, mas você se sente mais madura agora, de uma forma geral?Tarja: (Gargalhada) É, a gente cresce, a vida é sempre pautada pelo crescimento, pela experiência do aprendizado. Tudo que você vê, você aprende, carrega com você. E devo te dizer que nesses últimos tempos tenho aprendido à beça.
REG: Como foi a participação de Joe Satriani na música “Falling Awake”?
Tarja: Eu sempre quis trabalhar com ele, tenho todos os seus discos. Quando tínhamos todas as músicas gravadas, não havia praticamente nenhum solo de guitarra no disco, e eu disse: Oh, meu Deus! Eu adoro solos de guitarra e como isso foi acontecer? Eu estava conversando com o meu baixista, Doug Wimbish, e ele me sugeriu fazer contato com o Joe Satriani. Eu disse: Você tá maluco? Ele nem deve saber quem eu sou! Mas eu o havia encontrado nos Estados Unidos há um tempo, no ano passado. Quando eu mostrei a música, estava muito nervosa para ver como ele iria reagir, mas ele adorou, e dois dias depois ele tava lá pra gravar, sem pedir nada, fez um grande favor para mim, um presente. É uma figura extraordinária, eu vi seu trabalho, sua paixão, ele realmente gosta do que faz.
REG: Foi fácil trabalhar com ele, então, porque às vezes guitarristas são problemáticos…
Tarja: Foi fácil, ele me pediu para mostrar exatamente o que eu queria, porque ele não queria ficar experimentando, queria ir direto ao ponto. Eu mostrei a ele alguns exemplos, mostrei o solo de violino que tinha sido feito para essa música e ele gravou com muita alegria, foi tudo muito fácil.
REG: Você gravou uma música do Alice Cooper (“Poison”) no primeiro disco e agora colocou outra do Whitesnake (“Still Of The Night”) como bônus nesse disco. Como você escolhe essas músicas? Depende das letras?
Tarja: Ah, eu sou uma garota legal, eu não penso muito, porque sempre me divirto com essas músicas. Eu fiz uma turnê junto com o Alice Cooper na Europa, foi fantástico, ele é um muito gentil…
REG: Vocês cantaram juntos no show?
Tarja: (demonstra vergonha) Não! Eu não cantei com ele! Mas “Still Of The Night” sempre foi uma música que eu quis gravar. Mesmo quando estava no Nightwish, cheguei a sugerir, mas eles não toparam. E dessa vez eu tinha tudo à disposição - coro e orquestra - em Los Angeles, e ficou como eu queria: pesado e mais moderno. É definitivamente a minha versão da musica.
REG: Você acha importante ter um cover a cada disco?
Tarja: Não, não é necessário. É sempre difícil fazer covers, talvez o próximo disco não tenha um, sei lá, é cedo pra dizer! E na verdade “Still Of The Night” é um lado b, nem faz parte do CD oficial.
REG: E a voz masculina do Phil Labonte, como você escolheu?
Tarja: Eu estava procurando por uma vocal assim, alguém que gritasse, um vocal firme e ao mesmo tempo limpo. E também que desse um drástico contraste com a minha voz. Minha voz sempre soa a mesma, eu não tenho como gritar e fazer diferente. Ela é o que é. Eu falei com um compositor, Johnny Andrews, com quem eu fiz a musica (“Dark Star”), e ele me sugeriu o Labonte. Tivemos um papo pelo skype, e disse a ele o que eu gostaria que ele fizesse na música. A tecnologia ajudou muito, encurtou distâncias. Ele gravou em Nova York enquanto eu trabalhava na Europa. Depois juntamos tudo.
REG: Continuando com o tema parcerias, você também cantou numa música do Scorpions (“The Good Die Young”, do álbum “Sting In The Tail”)…
Tarja: Foi uma grande honra para mim, eles me convidaram, primeiro através de um e-mail para o meu empresário, e depois o próprio Klaus Meine me ligou, diretamente! Conversamos, ele é um cara muito legal, simpático, e me disse que eles acompanham a minha carreira. Nesse tempo todo nos encontramos em festivais - por exemplo, no Brasil, em São Paulo (no Live N Louder, em 2005) -, mas nunca tivemos uma chance de conversar sobre a vida e tal. Eles queriam que eu cantasse no disco, o que ele não falou naquela hora, é que este seria o último álbum da carreira deles.
REG: Era tipo “agora ou nunca”…
Tarja: Pois é! Quando eu fui gravar, em Buenos Aires, o produtor comentou que era o último, eu fiquei chocada. Eles estão em turnê agora, nos encontramos, conversamos de talvez tocarmos juntos algum dia. Eles são pessoas bem legais. Tivemos um show com eles na Áustria, filmado para uma TV, eles são caras legais mesmo.
REG: No site há uma turnê pela America Latina em março, mas o Brasil não está incluído…
Tarja: Mas já tem um show confirmado, em São Paulo, no dia 12 de março, e outros dois no Brasil, que estão sendo fechados em outras cidades. Mas eu prometo que estarei de volta. Eu preciso de vocês!
REG: O que você se lembra dos shows brasileiros?
Tarja: Vocês são loucos, eu adoro a paixão que vocês mostram, que não é igual em nenhum lugar do mundo. A América do Sul em geral é o continente que todos deveriam tocar, porque as pessoas são muito apaixonadas por música, e conosco não é diferente. É realmente fantástico, e eu tenho lembranças lindas dos shows no Brasil. Mas faz muito tempo e eu quero definitivamente voltar!
REG: Mas não vai deixar o Rio de fora, hein?
Tarja: Eu espero que possa voltar, eu tenho um belíssimo fã clube no Rio, que me dá um grande apoio.
Tarja confirmou que vem ao Brasil em março, para três shows da turnê do novo álbum
Nota: nesse ponto a entrevista teve que ser interrompida por determinação da gravadora.
Tarja Turunen
What Lies Beneath
(Universal)
Publicado em dezembro 21, 2010
O grande mérito de
Tarja no preparo deste segundo álbum solo foi se manter cercada dos mesmos músicos que a acompanham desde o início dos shows da turnê do disco de estréia,
“My Winter Storm”. Isso lhe garantiu uma espécie de “formação de banda” vital para atingir o entrosamento e os bons arranjos que prevalecem agora, neste “What Lies Beneath”. O outro ponto foi a escolha cirúrgica de compositores que lhe ajudaram a suprir a falta de Tuomas Holopainen, que, nos tempos do
Nightwish, era o responsável por lhe dar músicas colantes. Entre eles, Johnny Andrews, que já forneceu músicas para Lacuna Coil e Apocalyptica – só para ficarmos em exemplos vizinhos.
Tem o dedo dele a pérola “Until My Last Breath”, não por acaso de estrutura idêntica a de “Nemo”, o grande hit do Nightwish. A música é uma das que aposta seriamente na banda de Tarja, muito embora o conceito nem esteja tão bem resolvido assim ao longo do CD. Oriunda da escola erudita que, de uma hora pra outra se viu no topo do mundo à frente de um grupo de um segmento forte como o heavy metal, Tarja carrega as duas referências e se desdobra para criar alternativas e acertar a medida nessa gororoba. Nem sempre, entretanto, consegue. Por vezes, no meio do disco, tem-se a impressão de que se trata de um trabalho erudito; noutras, soa “apenas” como mais uma banda de metal. Quando consegue juntar certinho as duas coisas é que o resultado se mostra eficiente. Acontece, por exemplo, em “Dark Star”, na boa “Little Lies”, na baladaça “Underneath” e na própria “Until My Last Breath”.
Nesse sentido, “What Lies Beneath” supera com larga vantagem “My Winter Storm”, disco que assemelha mais a uma trilha sonora de um filme qualquer do que a um trabalho somente musical, com diálogo entre as faixas. Em “What Lies Beneath” essa conversa existe com maior clareza, embora às vezes pareça uma espécie de torre de Babel. Tarja se guarneceu bem com o baixista Doug Wimbish, do Living Colour, e com o baterista Mike Terrana, mas precisa de um guitarrista mais incisivo que Alex Scholpp – ou, então, dar a ele mais espaço. Não é o caso de encher as músicas de solos sem fim, mas para contribuir mesmo com o andamento e a base das músicas, por vezes saturadas de arranjos operísticos e eruditos demais. É no equilíbrio entre as duas vertentes – metálica e erudita – que Tarja deve mirar.
As participações de
Joe Satriani (“Falling Awake”), Phil Labonte, vocalista do All That Remains (“Dark Star”), e do baterista do Living Colour, Will Calhoun (“Crimson Deep”), não só enfeitam o pavão como apontam caminhos. Satriani mostra que uma guitarrinha mais pesada só ajuda, e com Labonte Tarja atualiza bons momentos da dualidade vocais doces versus agressivos, adotada em subgêneros do metal a partir de meados dos anos 90. Podem ser só casos isolados, mas, também, tendências. Já “Crimson Deep”, embora não seja um hit nato, no sentido “pop” de ser, se junta a “Until My Last Breath” como o ponto alto desse bom “What Lies Beneath” – disco que, se mostra evolução, deixa aberto um amplo espaço a ser ocupado. Cai dentro, Tarja!
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