Minha Coleção – Regis Tadeu: 21 mil CDs e 14 mil LPs!
Por Ricardo Seelig
Desde que criei a Collector´s Room, lá em setembro de 2005 ainda no Whiplash!, os leitores sempre me pediam para que entrevistasse o Regis.
Depois, quando a Collector´s ganhou o seu próprio site, em outubro de 2008, os pedidos se intensificaram, e cada vez mais, toda vez que perguntava que coleção as pessoas que queriam conhecer, o nome do Regis era citado inúmeras vezes.
Pois bem, chegou a hora! Hoje você vai conhecer uma das maiores e mais espetaculares coleções de discos do Brasil – e, porque não, do mundo. Um exemplo do que o amor pela música e a paixão pelos discos pode fazer na vida de uma pessoa. Uma prova de que qualidade e quantidade podem andar juntas!
Acomode-se na cadeira, levante o som e seja bem vindo a uma viagem fantástica pelo mundo dos discos, guiada pelo meu amigo e brother Regis Tadeu, um dos caras que mais entende de música no Brasil!
Regis, em primeiro lugar, apresente-se aos nossos leitores: quem você é e o que você faz?
Bem, atualmente sou colunista e o responsável pelas críticas de CDs e DVDs do portal do Yahoo!. Além disto, tenho lá os programas "Na Galeria do Regis" – que podem ser assistidos neste endereço acima -, "Regis Visita" (http://colunistas.yahoo.net/posts/5113.html e http://colunistas.yahoo.net/posts/3120.html) e "Na Mira do Regis". Também tenho o meu próprio programa de rádio na USP FM, o "Rock Brazuca".
Durante muitos anos fui editor-chefe e diretor de redação das revistas Cover Guitarra, Cover Baixo, Batera, Teclado & Áudio e Mosh. Também fui jurado do Programa Raul Gil e tinha um quadro fixo no programa Superpop, no qual eu detonava CDs ruins. Bem, já está bom, né? (risos)
Qual foi o seu primeiro disco? Como você o conseguiu, e que idade você tinha? Você ainda tem esse álbum na sua coleção?
A primeira vez que entrei em uma loja para comprar um disco foi, se não me falha a memória, em 1971. Eu já era totalmente tarado por música por conta de alguns compactos que meu pai – um militar extremamente severo, “linha dura” -, tinha dos Beatles - sabe-se lá por quê – e, principalmente, pelo estímulo de minha mãe, uma dona de casa muito sábia em sua simplicidade. Desde que eu era um bebê ela sempre colocava o rádio ligado perto de mim, a fim de fazer com que eu comesse tudo o que estava no prato (risos). Ela adorava contar como naquela época eu ficava em transe quando ouvia “O Calhambeque”, do Roberto Carlos (risos).
Bem, quando eu tinha 11 anos de idade ela me deu um presente de Natal maravilhoso: uma grana para comprar um disco importado, um artigo de extremo luxo naquela época! Lembro de ter entrado em êxtase de tanta alegria! Conversando com alguns vizinhos, ela soube que havia uma loja na Rua Dom José de Barros, no centro de São Paulo, que vendia discos de rock importados. Ela me levou até lá e disse que eu poderia escolher o disco que quisesse. Lembro nitidamente da cena: eu, ainda garoto, cercado de discos lacrados em plásticos transparentes que brilhavam de uma maneira inacreditável. Eu simplesmente não sabia o que fazer, o que escolher ...
Foi então que surgiu um vendedor bem cabeludo, com um longo cavanhaque, chamado Amauri – jamais vou esquecer daquele cara. Ele viu que eu estava parecendo uma barata dentro de um tonel de açúcar e perguntou o que eu queria.
Sem saber muito bem o que fazer – eu estava acostumado a ver capas dos discos dos Beatles e de histórias infantis -, resolvi aceitar a sugestão do vendedor e levei o disco para casa. Quando coloquei a agulha da minha vitrolinha no disco já estranhei o fato de o ruído ser praticamente inexistente se comparado a de um disco nacional. Mas nada havia me preparado para o que senti quando comecei ouvir a chuva, o trovão, o sino e ... AQUELA GUITARRA!!! Cara, eu me caguei de medo na hora! (risos) Minha mãe, coitada, ouviu também e ficou pálida como uma vela (risos). Juro por Deus: mesmo apavorado, fiquei ouvindo a música “Black Sabbath” umas vinte vezes seguidas, tamanho o fascínio que aquela canção despertou em mim. Só fui ouvir a faixa seguinte, “The Wizard”, uns três dias depois (risos). E passei uma semana dormindo com a luz do meu quarto acesa (risos). Ainda nos dias de hoje sinto um estranho calafrio quando ouço a canção “Black Sabbath”. Chame isto de uma “apavorante e deliciosa memória afetiva” (risos).
Porque você começou a colecionar discos, e com que idade você iniciou a sua coleção? Teve algum momento, algum fato na sua vida, que marcou essa mudança de ouvinte normal de música para um colecionador?
Na verdade, eu mesmo não me considero um “colecionador”, já que este tipo de pessoa compra tudo a respeito de determinados artistas e bandas, mesmo os discos ruins. Pelo contrário, eu só compro os discos que gosto. Por isto, creio que a minha “discoteca” começou imediatamente após esta experiência extraterrestre com o primeiro disco do Black Sabbath. Senti uma necessidade quase fisiológica de ouvir outros sons, conhecer novas bandas que pudessem me proporcionar uma sensação tão forte quanto aquela.
Alguém da sua família, ou um amigo, o influenciou para que você se transformasse em um colecionador?
Minha mãe, mesmo não tendo qualquer conhecimento musical, sempre me estimulou a ouvir música e, principalmente, a ler. Por isto, ela sempre que podia me dava uma graninha para comprar pelo menos um LP por mês, e toda semana comprava livros da espetacular série “Grandes Clássicos da Literatura Juvenil”. Então, ao mesmo tempo em que eu descobria Led Zeppelin, Deep Purple e Slade, lia obras de Julio Verne, Mark Twain, Miguel de Cervantes, Lewis Carroll, Victor Hugo. Não tenho a menor dúvida de que a união rock + literatura me transformou no cara que sou hoje - para o bem e para o mal (risos).
Tive alguns amigos na rua em que morava que foram muito importantes pra ampliar o meu conhecimento musical na época. Meu melhor amigo naqueles tempos, Luis Antonio Zordan, me apresentou Pink Floyd, Rolling Stones e Genesis; outro, Paulo, me mostrou pela primeira vez discos do Focus e do Emerson, Lake & Palmer. A partir daí, foi uma bola de neve montanha abaixo (risos).
Inicialmente, qual era o seu interesse pela música? De que gêneros você curtia? O que o atraía na música?
Meu interesse era total e absoluto. Eu simplesmente queria ouvir tudo o que caía em minhas mãos e ouvidos. Comecei obviamente pelo hard rock, mas logo ampliei o meu raio de ação para as bandas progressivas que citei anteriormente, incluindo aí o Yes, claro. Depois, entrei para os maravilhosos
universos do Slade e do Status Quo, e daí “fui embora” ...
Sinceramente, eu não conseguiria definir em palavras a atração que sentia – e ainda sinto – pela música. É muito mais que “ser transportado para outro universo”, “atingir um alto estado espiritual”, estas baboseiras que todo mundo cita para parecer profundo e sensível. Não dá para definir em palavras.
Você é considerado a “Imelda Marcos dos discos” (risos). Quantos discos você tem?
(Risos) É, a comparação faz sentido. Bem, para ser o mais sucinto possível, na minha última contagem, feita há seis meses, eu tinha aproximadamente 21 mil CDs e 14 mil LPs. Hoje em dia, devo ter um pouquinho mais que isto (risos).
Qual gênero musical domina a sua coleção? E, atualmente, que estilo é o seu preferido? Essa preferência variou ao longo dos anos, ou sempre permaneceu a mesma?
Sem dúvida, o gênero que predomina é o rock, em todas as vertentes possíveis e imagináveis, mas há generosas proporções de jazz, blues, soul music, rhythm n’ blues, funk – não estas merdas cariocas que insistem em embalar com este rótulo – MPB, trilhas sonoras e música erudita.
Vinil ou CD? Quais os pontos fortes de cada formato, para você?
Não sou nada radical neste sentido, embora reconheça a vantagem da sonoridade analógica de um sem número de LPs gravados anteriormente aos anos 80. Da mesma forma, existe uma quantidade imensa de álbuns que tiveram um inequívoco upgrade quando foram passados para a versão digital.
Cada caso tem que ser analisado individualmente neste sentido. Agora, não posso negar que me entristece muito a diferença que existe entre as artes gráficas dos LPs e dos CDs. Como sou um velhinho, ainda guardo comigo o prazer de manusear a capa de um LP, verificando os detalhes das imagens, as letras, os encartes, ...
Existe algum instrumento musical específico que o atrai quando você ouve música?
Como sou baterista, evidentemente a bateria é a primeira coisa que costumo “decodificar” em uma canção, seguida da guitarra e dos outros instrumentos na sequência. Na verdade, minha cabeça é como uma pequena mesa de mixagem (risos). Como consigo analisar cada instrumento envolvido em uma canção de uma maneira isolada, isto me ajuda bastante na hora de emitir a minha opinião a respeito de um disco e do trabalho geral de um artista ou de uma banda.
Qual foi o lugar mais estranho onde você comprou discos?
Uma butique em Ilhabela. Eu e minha namorada na época estávamos naquela cidade com um grupo de amigos e, fazendo um passeio pelo centro, ela resolveu entrar em uma loja para comprar biquínis e dar uma olhada em algumas bijouterias. Lá dentro, sem ter o que fazer, comecei a dar uma perambulada pelo ambiente e logo vi uma pilha de vinis no fundo da loja, colocados no chão. Perguntei à dona da loja se os discos estavam à venda e ela respondeu que sim, que o irmão havia se casado recentemente e não tinha espaço para “velhos LPs” no novo apartamento. Quando me abaixei para olhar o que havia ali, não pude acreditar: entre algumas porcarias, estavam ali versões nacionais novinhas de antigos álbuns do Wishbone Ash, Silverhead, Nektar, Jane, Guru Guru, Starz e mais uma porrada de bandas obscuras, tipo Coven, Bulldog, Ace e Osibisa. Cada disco custando o equivalente a uma coxinha de padaria!!! Nem preciso dizer que comprei tudo e saí da loja pulando como um babuíno adrenalizado. Minha namorada achou que eu tinha cheirado Detefon (risos).
Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?
No Brasil, nenhuma loja chegou aos pés da saudosa Nuvem Nove. Além de ter discos inacreditáveis a preços justos, o atendimento ali era espetacular, principalmente do proprietário, o engraçadíssimo José Carlos Damiano, e sua esposa Júlia. Além disto, todos os vendedores que passaram por lá eram profundos conhecedores de música e uma figuraças, todos simpaticíssimos. Quer dizer, todos menos um. Tinha um panaca lá, fanático por Engenheiros do Hawaii, que certa vez me tratou muito mal por conta de uma crítica negativa que escrevi a respeito da banda favorita dele. Quando o José Carlos (Zé, para os íntimos) soube disto, passou uma descompostura tão elegante no tal funcionário que o mesmo passou a baixar a cabeça toda vez que eu entrava na loja.
Conte-me uma história triste na sua vida de colecionador.
A única tristeza foi a de ter me entusiasmado com o surgimento do CD e ter vendido uma boa quantidade de LPs para adquiri-los em sua versão digital. Por isto, arrependido, passei os anos seguintes recomprando estes discos. Graças a Deus, todos eles estão de volta às minhas estantes.
Como você organiza a sua coleção? Dê uma dica útil de como guardar a coleção para os nossos leitores.
Não tem segredo: ordem alfabética, seguida pela ordem de lançamento. Sem esse papo de “guardar por estilos”, “por décadas” ou o cacete a quatro. Isto acaba dando uma confusão dos diabos. A única dica que posso dar é que as pessoas devem manusear seus discos – sejam eles CDs ou LPs – com o
mesmo carinho que dedicam aos seus filhos. Só isso.
Além da música, que outros fatores o atraem em um disco?
A arte da capa, as pessoas envolvidas na produção – sou um fanático leitor de fichas técnicas – e o contexto histórico em que cada álbum foi concebido.
Quais são os itens mais raros da sua coleção?
Putz, pergunta difícil ... Hoje em dia, com o advento dos CDs e, principalmente, do download de MP3, o conceito de “raridade” caiu por terra. Até discos autografados por seus criadores deixaram de ter o devido valor. Creio que os mais raros sejam uma edição do Chega de Saudade, do João Gilberto, autografado pelo próprio e pelo Tom Jobim, que escreveu o texto da contracapa; as duas coletâneas dos Beatles – a vermelha e a azul – em vinis com as respectivas cores; o We’re na American Band, do Grand Funk, com a capa metalizada em dourado, vinil amarelo e os quatro adesivos originais lançados na época, que só existem 500 cópias no mundo; uma caixa de veludo de Chopin com 20 LPs que registram todas as obras que o compositor fez exclusivamente para piano; a edição em vinil original do Paebirú, do Zé Ramalho com o recentemente falecido Lula Cortês ...
Você tem ciúmes da sua coleção?
A palavra “ciúmes” talvez seja muito amena para definir o que sinto pelos meus discos. Não empresto nenhum deles para quem quer que seja. Quem é meu amigo e está a fim de ouvir algum disco que eu tenha, ganha um arquivo em MP3. Se for uma pessoa bem bacana, ganha uma cópia em CD-R, com capinha e tudo.
Quando você está em uma loja procurando discos, você tem algum método específico de pesquisa, alguma mania, na hora de comprar novos itens para a sua coleção?
Nenhum método. Vou olhando tudo, todos os gêneros, sem exceção. Pode ser um sebo sensacional ou uma lojinha humilde na periferia de qualquer cidade onde eu esteja. Tudo é olhado com calma e atenção. Afinal de contas, para quem já comprou discos raros em uma bijouteria em Ilhabela, nenhum local deve ser ignorado (risos).
O que significa ser um colecionador de discos?
Como escrevi anteriormente, o colecionador é aquele cara que compra tudo de um determinado artista ou banda, independente se o disco é bom ou ruim, se a edição é nacional, uruguaia, tailandesa ou marciana. Por isto, não sou um colecionador, já que eu jamais teria um disco que não gostasse. Já vi algumas vezes o raríssimo – e péssimo! - primeiro LP do Roberto Carlos, Louco por Você, que vale uma fábula, independente do seu estado. Porra, para quê vou comprar aquela merda? (risos)
Regis, o que mudou da época em que você começou a comprar discos para os dias de hoje, onde as lojas estão em extinção? Do que você sente saudade?
Mudou tudo. Literalmente. Salvo raríssimas exceções, não existem mais lojas de discos como no passado. O que você tem hoje em dia é um amontoado de discos em um determinado local, onde você é atendido por gente que está a fim de vender as suas tralhas o mais rápido possível e desencalhar o estoque. Sinto falta do atendimento personalizado feito por gente que entende do
assunto, que é capaz de chegar para você e dizer “Olha, este disco é muito ruim. Não o compre. Leve este outro, que é mais bacana”.
Você é um dos jornalistas musicais mais conhecidos e respeitados do Brasil. Como você vê o mercado brasileiro atualmente? O que há de melhor e o que há de pior na música hoje em dia?
Obrigado pelas palavras gentis. O mercado brasileiro de discos hoje em dia é uma piada. Os lançamentos se reduziram drasticamente – hoje, só os discos de medalhões, como U2, Iron Maiden e Coldplay, têm garantia de que receberão edições nacionais compatíveis com as versões importadas. Muitos artistas e bandas passaram a ser solenemente ignorados pelas poucas gravadoras que restaram no Brasil, incluindo aquelas especializadas em heavy metal, que sempre foram as mais profícuas em lançamentos.
O melhor dos dias atuais é a possibilidade de qualquer pessoa ouvir o que quiser dentro deste oceano de downloads e streamings. O pior é a quantidade de lixo que é lançado aqui e no mercado internacional com a única intenção de faturar milhares de dólares em cima da ignorância de uma juventude dominada por asnos adolescentes.
O que você acha desse papo de que música boa só existiu nos anos 1960 e 1970, e de que hoje não se faz música de qualidade?
A pessoa que diz uma asneira deste porte deve beber óleo de máquina de costura no café da manhã. Nunca houve uma época na história da humanidade em que se ouviu tanta música – boa e ruim, não importa aqui – quanto nos dias de hoje. Basta apenas que a preguiça e a má vontade sejam deixadas
de lado e que se tenha curiosidade em saber o que anda rolando em termos musicais no planeta. Esse papo de 'música boa era aquela do passado' serve apenas para alimentar o discurso de gente burra, preguiçosa e incompetente.
Qual é o melhor disco de 2011, até o momento?
Até agora, a melhor coisa que ouvi foi o mais recente disco do Dropkick Murphys, Going Out in Style.
Regis, muito obrigado pelo papo. Pra fechar, o que você está ouvindo e recomenda aos nossos leitores?
No exato momento em que respondo a estas perguntas, estou ouvindo uma ótima e obscura banda de rock and roll norueguesa, o Backstreet Girls. Os caras surgiram nos anos 80, estão na ativa até hoje e todos os seus discos são sensacionais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário