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O vocalista dos Rolling Stones lembra os momentos de sua amizade com Lennon
Meu primeiro encontro com John Lennon me deu um forte senso de humildade, o que, de certo modo, foi divertido. Eu não sabia o que dizer a ele. Os Beatles eram muito importantes na época - foi em 1963, antes de gravarmos - e nós realmente não éramos nada. Estávamos a um passo do sucesso quando eles vieram nos ver tocar. Quer dizer, eles eram tão grandes! Não eram só músicos, eram ídolos da juventude e maiores do que a vida. E usavam roupas de couro, o que ainda não podíamos comprar.
Uma noite, quando estávamos tocando em uma casa de Richmond - naquela fase só tocávanis rhythm & blues e algumas coisas músicas do Chuck Berry -, eles vieram e ficaram na lateral da plateia (usando capas de chuva de couro!) e eu nem quis olhar para eles. Eu estava com vergonha. Mas depois o John foi superlegal. Eu disse: "Você sabe tocar gaita, não é?" - ele tinha tocado gaita em "Love Me Do". Ele então disse: "Mas na verdade eu não sei tocar como vocês". Eu sopro e aspiro, só. Nós não sabemos tocar blues".
Era a primeira vez que eu os via. Eles vieram várias vezes nos ouvir tocar no Crawdaddy no West End, e John veio mais vezes que os outros. Eles costumavam circular por discotecas como a Ad-Lib - isso foi mais ou menos um ano depois (John gostava de casas noturnas) - e lembro que uma vez, quando todos nós estávamos marcando ponto em uma das boates, George ficou discursando para mim sobre quantos discos os Beatles tinham vendido a mais que nós. O que não estava em discussão! Ele estava superansioso para chamar atenção. John, depois de ouvir tudo, disse: "Bom... não se preocupe com George. Ele ainda não superou o fato de que consegue vender discos". Ele foi muito legal naquela hora. Nem sempre ele era a pessoa cáustica que podia ser.
Eu gostava muito dele. Não éramos amigos íntimos, mas sempre fomos simpáticos um ao outro. Mas, depois que os Beatles e os Stones pararam de tocar em casas noturnas, já não nos víamos tanto. De certo modo, naquela época estávamos competindo, sim. Brian Jones, mais do que qualquer um de nós, sentiu que estávamos competindo - cada um estava em uma competição terrível - e, se eles estivessem na América, explorávamos o fato de eles não estarem tocando na Inglaterra, coisas assim. Mas éramos amigáveis com eles, devo dizer.
Depois disso, eu já não via tanto o John, até que ele se separou de Yoko, por volta de 1974. Voltamos àquele convívio amigável, na verdade mais amigável do que nunca. Nós nos vimos um pouco em L.A., mas na maioria das vezes em Nova York e também em Montauk, Long Island, onde veio ficar comigo. Foi um tempo muito divertido. Armávamos uns bons porres, saíamos de veleiro, e ficávamos à toa com as guitarras, tocando. Isso foi quando John estava se preparando para gravar seu álbum de rock and roll, e ele estava claramente tentando pegar umas dicas minhas para decidir o que gravar. Passeamos por todos os rocks antigos, e ele separava os que gostava.
Quando ele voltou para a Yoko, entrou em hibernação. Ele morava perto de mim em Nova York, mas eu provavelmente fui considerado uma das "más influências", então nunca mais me deixaram vê-lo depois disso. Em uma ou duas ocasiões, quando eu fui visitar alguém no Dakota, deixei um recado dizendo: "Eu moro pertinho. Sei que você não quer ver ninguém, mas, se quiser, me liga". Ele nunca ligou.
No meu passaporte, há uma nota afirmando que a inelegibilidade do meu visto foi retirada "devido ao precedente Lennon". Ele enfrentou um processo judicial realtivo a seus problemas de visto, por causa de uma condenação por posse de Inglaterra - na verdade, nós fomos presos mais ou menos ao mesmo tempo - e ele venceu o processo após cinco anos e US$ 250 mil de despesas legais. Por isso, ele me ve à memória toda vez que entro nos Estados Unidos.
Este texto faz parte do livro Memórias de John Lennon (Spring, 310 páginas). Editado pela viúva Yoko Ono, o trabalho tem colaborações de astros da música, como Bono (U2), Chuck Berry, Alicia Keys, Elton John e muitos outros, que cederam depoimentos, poemas, fotos, entrevistas e desenhos para o volume. Amigos próximos também ajudaram: colaboradores da época dos Beatles e parceiros como o tecladista Billy Preston (que tocou no álbum Let it Be, de 1970) e o lendário documentarista Albert Maysles (First US Visit) relatam seus relatos pessoais com esse gênio da música popular. Intelectuais como Tariq Ali e Norman Mailer também dão suas versões sobre o mito, abordando o impacto político da luta de John Lennon e Yoko Ono pela paz mundial, que começou no fim dos anos 60 e seguiu até o assassinato do músico. Memórias de John Lennon traz também imagens da histórica sessão fotográfica de Annie Leibovitz para a Rolling Stone, a última do cantor de "Imagine". As imagens mostram John Lennon nu, abraçado a Yoko Ono, que está completamente vestida. Mais do que uma biografia, Memórias de John Lennon é a prova de que o músico afetou - de diferentes formas - a vida de muita gente, de anônimos a famosos, de amigos a figuras essenciais da cultura mundia do século XX.
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