por Ricardo Batalha
São Paulo, SP, Brazil
Editor-chefe da revista Roadie Crew. Atua também na Brasil Music Press, Rádio Shock Box, Território da Música, Programa Stay Heavy e Sleevers Rock Channel.
A alegria durou pouco, mas nos pareceu uma eternidade. Os coroas estavam a mil tentando descobrir uma forma de ganhar dinheiro, já que o Plano Collor confiscou a poupança bancária de boa parte dos brasileiros. E nós, os mais jovens, estávamos preocupados em tentar achar um jeito para conseguir sintonizar aquele "canal americano que rola som o dia inteiro". A partir de 20 de outubro de 1990 não importava como, seja com sintonizador de UHF ou um pedaço de Bombril, todo mundo queria conferir aquela emissora.
Confesso que foi muito complicado começar a gravar os videoclipes em vídeo, especialmente os do saudoso "Fúria Metal", apresentado pelo ex-advogado Gastão Moreira – qualquer semelhança com este que vos escreve é mera coincidência. Em todo caso, o fã do Monster Magnet e ex-companheiro do meu amigo baterista Ricardo Confessori na banda Witchcraft, ia nos brindando com o que havia de mais legal e novo no mundo Metal. Além dos clipes, quando a emissora efetivamente pegou, foram abrindo espaço para entrevistas e matérias especiais quando atrações de peso visitavam o nosso país. Não tão frequente como a absurda e, até certo ponto, improvável enxurrada de shows que assola o país hoje em dia, cada evento era realmente um grande acontecimento. Movimentava todos com enorme euforia. Mais ainda para eles, os profissionais da MTV, que estavam descobrindo a melhor forma de trabalhar e abordar estes assuntos ao público jovem, algo que tempos depois nós (ROADIE CREW) também vivenciamos.
Não seria exagero dizer que a MTV Brasil fez com que Metallica, Guns N'Roses, Skid Row, Bon Jovi, Sepultura, Faith No More, Living Colour, Pantera, Aerosmith e algumas outras bandas incrivelmente atingissem o status de 'cool' no país do Samba. Só que era justamente aí que morava o perigo. Ninguém tinha consciência, mas a turma dos "in" (descolados) começou a trabalhar tramando o passo seguinte, aquilo que substituiria o que nós tanto gostávamos. A turma dos camisa de flanela chegou e aí a MTV se tornou a NTV, mudando aos poucos o seu foco e, anos depois, descambando de vez para o precipício. Claro que estou focando exclusivamente no nosso lado, o do Heavy Metal.
A massificação fez a sua parte e o que antes era marginal entrou na moda. Porém, o que entra na moda tem prazo de validade e aquilo que era legal se tornou motivo de chacota. Hoje, quando lembram que o Heavy Metal existe ou é parar tripudiar ou relembrar os feitos das bandas acima mencionadas que, milagrosamente – ou propositadamente –, conseguiram suplantar o efeito NTV e a linha "severa" da brasilidade exacerbada. Se existe algum problema para abordar o assunto que hoje ninguém mais tem a menor noção na emissora, algum "in"(die) deve dar um berro na redação: "Ah, é sobre isso? Então, chama o Andreas Kisser!".
A noção da fidelidade e da forma passional na relação dos fãs com o Heavy Metal pode ter mudado, mas ainda me lembro do ódio de todos os meus amigos no pós-Rock In Rio de 1985, quando confundiam o Língua de Trapo com grupos de Metal. O "Festival dos Festivais" foi um prato cheio para satirizar os "metaleiros", termo que qualificou de forma caricata o fã de Metal. Assim, nada mais coerente do que o caricato Língua de Trapo ter ficado entre os doze finalistas com a música "Os metaleiros também amam". Aí você pode pensar: "nossa que radicalismo bobo". Sim, bobo. Realmente bobo. Espera aí... Como diria o saudoso Costinha, me lembrei de outra que vem mais a calhar. Ainda na fase "Rock In Rio", a comédia infantil "Os Trapalhões no Reino da Fantasia" (1985) mostrou o quarteto humorístico Didi, Dedé, Mussum e Zacarias parodiando uma banda de Heavy Metal e encenando o show do "Heavy Traps", com referências diretas ao AC/DC. Fazendo uma analogia aos nossos tempos, mais um ponto para a NTV, que reviveu a paródia com seu digno representante do mais puro Heavy Metal: Massacration.
Embora alguns sejam verdadeiros fãs do estilo e grandes comediantes, o desserviço prestado pelos hoje "Legendários" será incalculável. Mais do que o Viper quando tentou seguir os passos do Raimundos com sua fase "Rock nacional pesado". E todos sabem, após se tornar uma megabanda, a banda de Brasília sumiu embalada pela fé de seu ex-frontman. A outra fez sua parte, levando meu amigo e ex-colega de faculdade de Direito, Oswaldo Yves Passarell, ao Capital Inicial. Olha como são as coisas: enquanto o vocalista Dinho queria soar mais pesado com seu projeto solo Vertigo, Oswaldo estava no auge do sucesso com o Viper mas ficava mais preocupado com as provas da faculdade do que com qualquer outra coisa. Chega de divagações, prometo que vou parar de entregar alguns segredos por aqui...
Bem, como diria aquele narrador esportivo, "o tempo passa", mas os objetivos da emissora de atingir um público jovem foram plenamente atingidos. Os profissionais que por lá passaram hoje têm grande respeito na mídia brasileira. Merecidamente, diga-se. E mais, também não seria exagero dizer que a primeira emissora de TV segmentada do país salvou a vida do meu amigo João Francisco Benedan. Se o saldo da NTV é amargo para quem gosta de Heavy Metal, pelo menos nesta leva um dez de dimensões "gordas".
Ah, antes dos parabéns, não poderia deixar de lado uma curiosidade. Apenas cinco dias depois de entrar no ar pela primeira vez há vinte anos, nascia o hoje ator e cantor Fiuk, digno representante do atual momento da NTV. Parabéns. E basta.
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