É inexplicável. Bem, pensando com um pouco mais de racionalidade, talvez não seja tão “inexplicável” assim o verdadeiro fascínio que a figura de Ian “Lemmy” Kilmister exerce em qualquer pessoa que ame o rock and roll. E quando escrevo “qualquer pessoa”, não estou sendo bondosamente genérico, mas afirmando categoricamente que não há um ser humano roqueiro sequer que: a) não tenha o devido respeito e paixão pelo Motörhead; b) que não considere “Lemmy” como uma espécie de divindade.
No fundo, é fácil e difícil – e desconcertante – ao mesmo tempo entender porque a figura de Lemmy suscita reverência. Para isto, é preciso deixar de lado os pudores politicamente corretos e encarar a verdade: no fundo, bem lá no fundo, todos nós queremos ser como Lemmy.
Buscamos obter o mesmo grau de respeito que a sua figura e suas palavras causam nas pessoas. Buscamos causar a mesma sensação que Lemmy propicia quando entra em qualquer ambiente, que é um silêncio que chega a ser ensurdecedor. Buscamos envelhecer como Lemmy – hoje com 65 anos de idade -, dono de seu próprio nariz e sem a menor intenção de agradar a quem quer que seja.
Com seu inseparável chapéu preto, roupas de coloração idem e as inacreditáveis botas brancas, Lemmy é uma versão roqueira e real do cowboy sem nome eternizado por Clint Eastwood no cinema. Para os adolescentes, ele é um personagem de histórias em quadrinhos – ou videogame, se preferir – que ganhou vida. E se o Motörhead existe há 36 anos é porque Lemmy comandou as coisas da maneira que leva a sua vida: integridade em relação a tudo aquilo em que acredita. Quer uma prova disto? Assista ao espetacular DVD Lemmy (49% Motherfucker, 51% Son of a Bitch) , cujo trailer você assiste abaixo:
No show que presenciei sábado passado na Via Funchal, em São Paulo, noventa minutos transcorreram com uma rapidez supersônica. A famosa saudação de abertura de cada um dos shows que a banda faz – “Nós somos o Motörhead. E a gente toca rock ‘n’ roll” – já faz parte do panteão das grandes frases da história da música, recebida com o mesmo entusiasmo dedicado a qualquer um dos 438 clássicos do repertório do trio. E quando você é testemunha de uma apresentação que começa com uma dobradinha do naipe de “Iron Fist” e “Stay Clean”, é inevitável sentir certa vergonha ao ver a palavra “rock” associada a grupelhos formados por gente sem talento e sem um pingo de carisma – é, se você pensou nos Strokes, é a respeito deles que me refiro.
Ao lado de Lemmy estão o comedimento e exuberância sônica do guitarrista Phil Campbell – no show, há um “momento solo” em que ele desfila uma sucessão de notas surpreendentemente sublimes para o conceito ensurdecedor do trio. E atrás de ambos há a energia aparentemente inesgotável do baterista Mikkey Dee, cuja fúria ao tocar seu instrumento faz uma locomotiva desgovernada parecer um carrinho de supermercado com as rodinhas enferrujadas. Os dois formam os adereços perfeitos para a mitológica presença de palco de Lemmy, tocando seu baixo como se fosse um violão de acampamento e extraindo timbres que qualquer baixista daria o braço esquerdo para conseguir. É impossível ouvir canções como “Going to Brazil”,
“Ace of Spades”
e “Overkill”
e não chacoalhar o esqueleto como se estivéssemos tomando um banho gelado sentado em uma cadeira elétrica.
Certa vez, quando era editor da Cover Guitarra, fiz minha única entrevista com Lemmy, uma das melhores em toda a minha carreira como profissional da música. Quando terminamos as questões a respeito de equipamentos e de todos os assuntos a respeito do Motörhead, ficamos ainda um bom tempo conversando sobre outros assuntos, incluindo os motivos que nos levaram a gostar de Beatles, psicodelia dos anos 60 e 70, livros e… ABBA! Foi inacreditável: passamos uns bons minutos discutindo a respeito de qual foi o melhor disco do quarteto sueco. Suas observações eram tão impagáveis quanto difíceis de entender – Lemmy tem um dos sotaques mais indecifráveis do planeta.
Em outra ocasião, ao entrevistar Dave Grohl na época em que estava lançando o disco de seu projeto Probot, ouvi a frase que resume perfeitamente o que Lemmy realmente representa no imaginário de cada um de nós. Quando perguntei a ele sobre a participação do baixista no projeto, Grohl explicou como aquilo havia acontecido e encerrou com a seguinte exclamação: “Pau no c… do Elvis Presley! O rei do rock é o Lemmy!!!”
Macacos me mordam se ele estiver errado…
Veja as fotos do show do Motörhead em São Paulo:
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